terça-feira, 12 de novembro de 2013

Na Pele

Vejo muita gente por aqui comentando sobre cotas, isso e aquilo outro. Fica difícil de me posicionar porque meu pensamento já fica logo embargado e minha garganta dá um nó, mas como uma mistureba (assim como todo mundo que vive aqui nesse país) de preto, índio e branco, oriundo da escola pública e da Barra do Ceará, o que tenho a dizer é que por tempos fui contra cotas, sobretudo antes de entrar na tal da faculdade e conhecer a tal justiça social ou seja lá o quê. Isso mudou exatamente porque no curso que estudo: Psicologia, na UECE, demorou incansáveis quatro anos para entrar dois alunos de escolas públicas estaduais, eu e mais um da minha turma, vindos do Liceu do Ceará e do Liceu do Conjunto Ceará. Quando fiz Economia na UFC, dentro da turma também só haviam dois alunos de escola pública, eu e mais uma amiga, até outras pessoas irem sendo chamadas.
Eu, que jamais havia convivido com pessoas tão "bem nascidas" me espantei com a mudança brusca de realidade, quando uma colega vinha puxar conversa perguntando onde eu morava e eu respondendo:
- Barra do Ceará.
- Isso fica aonde?
Rapidamente pensei, "como assim fica aonde? É a Barra do Ceará, caramba!" Depois ela complementa:
- É que eu tô perguntando aqui pras pessoas onde elas moram porque daí a gente pode rachar a gasolina e usar só um carro, não precisa todo mundo vir no seu carro.
Eu, ali na UFC, com meus inocentes 17 anos e que havia andado de carro apenas uma vez em toda a minha vida até aquele momento estava aturdido. Não pela maneira como as pessoas me trataram ali naquele primeiro dia de aula, pois fui muito bem tratado, mas sim por me sentir um ser completamente estranho e as pessoas que falaram comigo me estranharem totalmente.
O que levei pra casa foi um sentimento de estranheza completa, como se aquilo não fosse pra mim, pra gente como eu e que eu sofreria muito pra me adaptar a esse novo mundo. Mas daí lembrei das madrugadas de estudo, sempre com a ideia na cabeça dos dizeres de minha vó "estude pra ser gente", uma frase que sempre me incomodou por não entender o que seria "virar gente", mas que me impulsionava.
Nesse primeiro dia de aula, quando cheguei em casa, um filme extenso passou na minha cabeça com todas as situações difíceis até chegar ali, dentre as quais muitas marcaram e deixaram feridas que sangram até hoje, tais como acabar o gás e fritar um ovo com isqueiro, quebrar uma vassoura pra fazer fogo no meio de tijolos no quintal com esgoto estourado porque não havia dinheiro pra ajeitar e em meio a tudo isso ter que ir pra aula e estudar pra passar no vestibular, além de chegar com um sorriso amarelo estampado em uma cara estúpida com disposição pra rir de piadas, e à noite antes de dormir, demorei pegar no sono porque chorei muito, como pouquíssimas vezes aconteceu em minha vida.
Comparado aos amigos de infância fui um privilegiado, pois apesar dos pesares minha família realmente investia em mim e minha mãe me dava muitos e muitos livros e revistas, enciclopédias, etc., diferente dos amigos da rua com famílias que não davam a mínima pra eles. Vi e ouvi sobre amigo apanhando de polícia, sendo preso, sendo morto, sendo espancado. Procurava me afastar da "galera da pesada" e graças a uma família que protegia não me envolvi diretamente com coisas desse tipo na infância e adolescência, sem falar do período em que fui morar em Caucaia e que com certeza foi fundamental pra que eu chegasse aqui onde estou, onde passava tardes sozinho lendo um livro qualquer em cima de uma goiabeira e comendo fruta do pé.
Até chegar a notícia que eu fiquei em 3º classificável em Psicologia na UECE, com uma concorrência de mais de 53 para uma vaga, o que significava que eu havia sido aprovado, demorou muito tempo mesmo pra ficha cair, muito mesmo, acho que até hoje não caiu direito e me lembro de eu em um ônibus com meu amigo Bilé indo pra casa do meu amigo Yuri e dizer:
- Caralho, eu passei em Psicologia na UECE... muita cagada, como é que pode, assim do Liceu e passar...
- Cagada é uma porra, se toca, o cara passa o dia, a noite e a madrugada toda estudando todo dia e vem falar em cagada.
Responde Bilé, que talvez não saiba do impacto que essas palavras causaram, mas essa conversa se repete insistentemente na minha cabeça até hoje.
No cursinho onde estudei, Curso XIIde Maio, que era voltado pra estudantes de escola pública vi muita gente fodida, parecida comigo e em situações muito piores que a minha. Ver aquela galera pegando ônibus junto comigo mais de dez da noite e indo pra casa com sorriso no rosto apesar do cansaço e movidos pelo mesmo sonho de ter acesso a essa tal de faculdade era muito cativante, indo pra aula literalmente todo dia, de domingo a domingo, de feriado a feriado. Eu sabia que, como eu, muitos ali deixavam de comer pra pagar a passagem, pra pagar a mensalidade do cursinho, pra pagar a apostila, etc., e hoje vejo de lá por onde ando e encontro com ex-colegas futuros químicos, arquitetos, advogadas, médicos e médicas, engenheiros e engenheiras, professores e professoras, cientistas sociais, físicas, biólogos e biólogas, economistas, historiadores e historiadoras e psicólogos e psicólogas como eu, pois depois de mim entraram mais quatro alunos de lá na Psicologia da UECE e conheço mais duas de Psicologia na UFC. Os professores e professoras de lá eram incríveis e apesar de não ter muito contato pessoal com muitos toda vez que penso nelxs me dá vontade de tá perto pra poder dar um abraço e daqui a 2 anos quando eu me formar eu quero procurar todxs pra dar algo de volta, pois lá ouvi pela primeira vez a frase do Isaac Newton, do Fabricio, professor de Física "se enxerguei mais longe foi porque me apoiei em ombros de gigantes", desde já deixo meu agradecimento aos professores que conhecem todos nós pelos nossos nomes. <3<3<3
Daí sobre cotas, antes de entrar no ensino "superior" se eu passasse com cotas eu teria vergonha, pois quer queira ou não reforçam a discriminação racial por uma via ou por outra, mas eu entrei sem elas e isso serviu pra fazer uma crosta de orgulho ao meu redor e saindo da UFC e indo pra UECE, já vacinado, simplesmente chegar e ocupar o espaço, sem estranhamento, um sentimento do tipo "sai do meio, que esse pirangueiro aqui também entrou nessa porra!", pois "eu não preciso do seu racismo!". Mas com as cotas atuando nas universidades e em outros setores vejo as coisas acontecendo e sendo efetivadas e há cerca de 2 anos meu posicionamento acerca disso muda completamente. É inegável a diferença, ser contra as cotas é cuspir no povo brasileiro, é não saber se apoiar nos ombros de gigantes, é negar dignidade a quem nunca soube o que é ser essa gente que dizem que temos que nos tornar...
A cada mísero trabalho que apresento nos eventos acadêmicos regionais, locais e nacionais eu sinto como mais um passo pra pôr fogo no engenho onde meus ancestrais apanharam. Sempre após apresentar um trabalho, que já são cerca de quarenta, me emociono. Me emociono a cada aprovação e vejo uma imagem de um engenho pegando fogo e o sentimento de "também tenho direito de tá aqui nessa porra!". Além de que, dentre os amigos de infância e as pessoas que convivi, até aqui eu fui o que cheguei mais longe. O simples fato de estar matriculado nesse curso já constitui, não só pra mim, mas pra muita gente que conviveu comigo, a maior vitória que já vi. Recentemente um amigo que estudou nas mesmas escolas que eu e cresceu no mesmo bairro, após ser aprovado em Pedagogia na UFC veio falar comigo dizendo que jamais imaginou que faria alguma faculdade na vida, pois achava que isso não era pra ele e que era difícil demais (o que de fato é), mas aí depois que fui aprovado ele viu que era possível e passou a estudar pro vestibular. Depois de ser aprovado e ter o primeiro dia de aula, disse que fez questão de contar essa história para a turma toda. Certamente, não pude conter as lágrimas que vinham vez ou outra no meio do dia por uma semana inteira, pois em mais de três anos de vida acadêmica essa, com certeza, foi a coisa que mais valeu a pena até aqui!
Por outro lado, isso de vitimização exacerbada enche o saco, mas isso é inegável, quando nós "marginais" nos levantarmos e ocuparmos os espaços que também são nossos, mas nos são negados, é que o bicho pega e isso já acontece, pois nós agora também temos TV por assinatura, temos carro, temos TV LCD, o caralho a quatro e o mais massa: TEMOS COMIDA NA MESA E VAGAS NAS UNIVERSIDADES!!!!!
Nada mais verdadeiro do que "quem fala mal do bolsa família é porque nunca passou fome".
Porém, o que me irrequieta profundamente é que eu simplesmente não aguento mais essa universidade do jeito que ela está, essa educação do jeito que ela está, a formação dos profissionais que prestarão serviços a mim e a meus filhos do jeito que está, enfim as coisas do jeito que elas estão. É mais do que urgente destruir essa porra toda e construir algo novo, NOVO! Isso tem me incomodado tanto que por muitas vezes perdi o gosto de ir às aulas e ir procurar fazer outras coisas nem que dentro dos muros imensos que existem na UECE e em outros locais, eu falto pra caralho porque minhas aulas quase sempre são chatas, repetitivas, conteudistas, iguais, entediantes e sem a menor perspectiva de vida concreta. Os livros em sua maioria são ridículos, ando nas ruas e olho pra minha vida e não vejo nada contemplado na maioria das páginas que sou obrigado a ler e fazer uma prova idiota. Lutei tanto pra chegar até aqui e quando a ilusão passa a gente vê a merda que é uma faculdade. Faculdade é uma merda e absolutamente todos os dias me pergunto se é isso que realmente eu queria pra minha vida, se eu não queria simplesmente capinar um roçado e colher meu feijão, fumando um pé duro, como os homens simples que vejo pelas ruas quando vou visitar minha vó que escolheu como residência Caucaia fugindo do barulho de carro, asfalto, som, ônibus, fugindo da meritocracia... Lá as pessoas não se incomodam com os pássaros cantando, não se prendem dentro de suas casas e nos fins de tarde todos sentam em grupos nas calçadas de suas casas, cumprimentam todos que passam com uma onomatopeia e comem fruta do pé. É muito diferente e tão mais confortável.

As cotas também servem pra pôr fogo no engenho.


quarta-feira, 12 de junho de 2013

Bom Dia




Nada melhor do que acordar quase de madrugada pela manhã com os primeiros e tímidos raios de sol deixando tudo amarelo e quente como seu corpo febril inflamado pela moléstia e levantar-se sentindo mais uma vez uma espinha doída nas costas que te impede de deitar-se como de costume. Ir dar uma mijada quente em comum numa festa de espuma solitária que de tão quente promove um aumento da temperatura do banheiro frio de cerâmica, dar três tossidas doídas e três escarradas daquele resto de fagocitose verde com marrom que arde ao seguir o caminho até o lado de fora na pia. Um gosto amargo na boca que entra pela garganta doída através da saliva que teima em descer e ao olhar aqueles pedaços de resto pastosos na pia imaginar que saíram de dentro de você e tristemente abrir a torneira que leva embora com a jorrada de água seus pedacinhos de lixo sabe-se lá pra onde. Após isso, caminhar dificultosamente até a cozinha com o choque térmico dos pés descalços no chão frio e quebrar o jejum com uma pílula revestida acompanhada de água e dizer “bom dia, estômago”. Voltar pra cama, atravessando o pequeno apartamento sem móveis e desvencilhando-se das caixas de papelão cheias de livros, deixando a garrafa do lado de fora da geladeira, e deitar-se mais uma vez quente e de lado porque ao se deitar de costas a espinha incomoda mais uma vez. De repente passa pela cabeça doída e ainda um pouco febril a lembrança “ah, hoje é dia dos namorados”, mais uma data que não representa nada, mas que você gostaria de comemorá-la com ela aqui do lado pra fazer um café e um carinho. Você olha pro lado e vê, perto da caneca, dada por ela, suja de cappuccino que você fez pra ela no dia anterior, um porta-retratos feito por ela mesma com uma foto dela que tem escrito atrás uma letra de uma música de uma banda que você não gosta, mas que ela adora e que por isso você sempre ouve para lembrar-se dela e recorda de 2 anos. Uma lágrima absurdamente quente cai pelo canto direito do olho seguida de várias outras, a febre passa, o sol enfim surge altivo e o estômago dói. Um bom dia, rouco e doído, ouvido por ninguém sai pela boca, vindo das entranhas.


quarta-feira, 5 de junho de 2013

Depois da Poesia e do Sexo, ou Lamentações


Eu quero uma máquina de escrever e um caderno sem pautas, além disso um disco de músicas francesas tocando ao pé do ouvido, cachaça, de preferência Sapupara, e cigarros Derby. Sim, apenas isso. Porém, me dói imensamente saber que isso não seria nada suficiente, mas por ora seria o suportável, pois todo o resto das coisas, eu já não suporto mais. Falta-me a alegria para entregar seja lá o que for, falta-me algo que não faço nem a mínima ideia do que seja e o sentimento que tenho por tudo é uma imensa repugnância. Isso vem se arrastando em meus pés desde a infância. Há uma espécie de asco do mundo e das coisas que me faz vomitar existencialmente todas as vezes que passo em frente a espelhos cotidianos. É muito melhor contemplar o vazio do nada que o vazio da existência, é muito menos doloroso até. Não é que viver doa, apenas dói demais.

O que mais me dói é não poder fazer nada, dividido entre as razões. Pois que então listo o que deixo pra vocês: à minha mãe, deixo minhas dívidas; à meu pai, deixo as orações que não orei e minha identidade militar; à minha mulher deixo meu último jorro de sêmen e nossos filhos, que eles sejam o que se talvez sejam e não o que seriam; aos meus amigos deixo minhas dúvidas não vividas; às minhas amigas deixo minhas fétidas escoriações do coração; aos meus professores e professoras deixo minhas páginas de currículo acadêmico; aos colegas de trabalho deixo mais uma pilha de trabalhos por fazer e o sentimento que todos terão a, quem sabe, notar a falta de alguém na sala; aos governantes deixo os impostos que paguei, façam bom uso e à todo o resto das pessoas deixo minhas lágrimas não derramadas, absorvidas em um sofrimento inconjuro, pois "o universo não é uma ideia minha", tais lágrimas foram sorvidas pela angústia e desespero de beijos impossíveis.

A fumaça entrará em nossos pulmões e nos levará para um muro suado, impregnado de sangue. Não desejo mais respirar esse ar imundo onde todo mundo cospe e engole saliva, que coisa mais imunda! Isso tudo é podre e eu já cansei de também o ser, estou fedendo e meus dedos cheiram a queimaduras. Em minhas veias circulam substâncias metálicas e sinto que meu sangue está congelado dentro das veias quebradas. Minhas entranhas exalam um odor nocivo que mata insetos e ardem insuportavelmente, meus olhos cegam-se com a luz e me sinto invadido pelo ar soprado, minha pele derrete queimando minha carne e meus músculos dissolvem como se fossem areia ao vento. Todas essas sensações são insuportáveis, mas o que mais me dói é justamente não poder fazer nada para sustentar a relação de amor com os outros seres, não poder fazer nada.

Não há nada mais doído que uma ferida na sola do pé que sangra e o prurido vem direto do coração. Sobre isso, a única coisa que me alivia um pouco é dar pra um cachorro de rua qualquer, doente como eu, lamber. Sinto uma mágoa por meus filhos e filhas tremenda e minha mulher que morrerá em meu leito e certamente não conseguirá limpar a sujeira que deixarei. Bom, na verdade ela nunca conseguiu limpar minhas lágrimas de seu rosto quando eu a fiz sofrer por tantas, tantas vezes. Quase sempre uma lágrima como essa que borra minha letra é a única palavra verdadeira que se pode dizer. Ninguém entende, ninguém pensa.

E o que eu faria? O que você faria? Se tivéssemos que culpar uns aos outros, você diria que eu estive errado por este tempo inteiro? Bom, eu não consigo esquecer e suportar e o instante em que a porta bateu enquanto sua silhueta sumia no horizonte foi o momento em que eu morri de fato, parece que foi ontem que vi seu rosto pela última vez, você é tão linda. Deus! Isso dói demais, eu faria de tudo para acordar com a sua voz ao meu ouvido novamente, apenas mais uma vez, te dar um beijo e te chamar de amor. O que aconteceu? É muito difícil dizer adeus, mas eu preciso que você me ajude a entender, que seja orgulhosa de quem eu sou, que tenha orgulho de quem nós fomos ao olhar pra trás e não nos culpe por tudo, não divida a culpa entre nós, isso me deixe carregar sozinho.


Há uma foto que eu guardo embaixo da cama e a olho todos os dias quando acordo, você nem sabe da existência dela, eu tirei quando ainda nem nos conhecíamos, ao longe, eu te olhava e sabia já naquele instante que você seria a mulher da minha vida. A deixarei no bolso esquerdo da minha camisa, por favor veja. Eu perdi a cabeça... Todas essas merdas que eu sempre falei... Por que você me deixou? E o que é isso? Eu vou começar a correr de tudo que eu sempre imaginei ter, que eu sempre imaginei ser, tudo que eu sempre pensei e de que me orgulhei, esse é o último minuto de minha vida e tudo que eu queria é que você estivesse aqui para me abraçar, talvez segurar minha mão...
Desculpa pela sujeira, obrigado por tudo, eu amo você.

domingo, 5 de maio de 2013

Praia do Silêncio


Nada é mais belo que o silêncio. É no silêncio onde se confrontam a lâmina que tudo corta com o escudo que tudo defende. No silêncio tudo flutua e tudo está; tudo se expõe, se revela, se execra... no mais humilde silêncio... Ah, no mais repleto silêncio as horas são tão largas! E assim o tudo está no nada.
Nada consegue se mais profundo, misterioso e concomitantemente revelador que o silêncio. É no silêncio que são proferidas as coisas mais belas. É no silêncio que são repartidas as maiores esquinas, as maiores esquivas! Só o que é maravilha acerta o silêncio.
Mas há de se atentar que o silêncio é profano, intempestivamente profano. Posto que é no silêncio que tudo se revela, onde tudo paira. É assim que se percebe que o nada é muita coisa e que nada é muita coisa.
Responda-me, mas me responda no mais absoluto silêncio: Que pensas tu, que dirás tu de teu espetáculo? De minha parte, de todos os espetáculos, o espetáculo de mim mesmo é o que mais me repugna, pois se derrete na palavra, apesar de gritar no silêncio. Tudo que falo definha na palavra e se expande esplendorosamente no silêncio... O silêncio nos engole, mas a palavra nos estupra, mais que isso, a palavra nos aborta. 
Porém... Porém...
Porém, que seria do silêncio sem a palavra? Aquela que vem e rasga a imensidão do sentido, aquela que vem e dá nome, aquela que vem e rapta os meandros do que flutua fora do nome...? Além do mais, a palavra nem sempre fala, às vezes escorre, derrama... 
A palavra que irrompe do silêncio assina um atestado de óbito, dar nome é o mesmo que assassinar. Posto isso, consideremo-nos assassinos da imensidão, assassinos das musas, ó belas musas. A música é feita de silêncios, de maneira que é do silêncio que se faz canção, que se faz poesia, não se faz poesia sem o silêncio: “eu não sou um poeta, eu sou um poema” porque é o silêncio que escreve em mim. 
A palavra balbucia, mas só balbucia quando é barrada pelo silêncio. E que seria da oração sem o verbo? O verbo que faz a carne, o verno que nomeia a ação, que a promulga. O verbo é o silêncio que dá margem ao barulho, que precede a palavra. O mundo inteiro cabe no silêncio que precede o medo, no “silêncio que precede o esporro”. E é neste instante que se passa uma vida inteira, no silêncio de todas as coisas. No princípio era o silêncio, agora é a dor; “nascer pode ser uma passagem violenta”.
Diante disto, o que então definiria o silêncio? No sentido de dar fim, um cruel ponto final daria fim ao barulho e precederia um novo silêncio. Já as reticências são um bom exemplo da cíclica silenciosa, tão privadas de sentido quanto o mais glorioso silêncio, mas violadas terrivelmente pela palavra que teima em tentar calar a inquietude e imensidão do silêncio, tenta dar fim à beleza, um embate incrível.
É notório que as reticências inquietam e muitas vezes conclamam a angústia e, sobretudo, o medo, sobretudo, a felicidade, posto que a felicidade não diz respeito ao homem, não diz respeito ao ser, não é bem que se deseje.
Mas reitero: nada é mais cruel que um ponto final. Nada difama mais que a palavra, a palavra é tão brutal, mas ao mesmo tempo tão essencial. Entretanto, o silêncio também é maléfico, mas somente quando é palavra, isto é um silêncio falso, pois que o silêncio também possui esta faceta.
Então, que seria a vida senão um mar de silêncio em uma praia de reticências, onde os pontos finais são as ondas, os parênteses nossos amores e as vírgulas nossos amantes, coisas?
Enfim, o silêncio é tudo e é nada ao mesmo tempo e tão somente por isso é belo, de infindável beleza, de inefável pureza, de insustentável leveza...




terça-feira, 16 de abril de 2013

I Wanna See Your Teeth



I want to fuck you
And I want to love you
I wanna make it

But I simply can’t make it
I  can’t take away these thoughts
Everything that I fight for
Everything that I live for

Because the "us" means "me"
In that case, the "us" means "me"

And I don’t matter the way you live
Or the way you make the things that you do

I have a rope in my room if you want it
I can help you with this
But don’t lie to me

I like the way you play with me
Oh no! I’m just kidding...
I hate the way you play with me

I think you're dumb
You're a big dumb
All that small talk about karma
I really think that you're a big dumb

But the funniest in it all
It’s I love the way you dumb
And I want to love you
But I simply can’t make it

I really want to love you
But I simply can’t make it

I wanna see your teeth
Through your lips while I kiss you
And feel your skin
And the scars of time and life in your body

I wanna be in your thoughts
‘Cause you are in mine
Even in the hardest night
You’re in my mind

Like a fucking karma
This is ridiculous
But it’s so exciting
And I’m very excited with it

Enjoy yourself

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Epifania, ou Ar Frio



A cevada irônica preenche agora minhas veias
O vinho infinito escorre em minh’alma
Em uma terra de ar gelado teu calor é o que me falta

Sou todo etilismo saldado em meu chapéu
Mas tudo pelo que anseio é o seu sorriso perfeito de mágica
Colorido como as palavras que me escapam ao lembrar de ti, ó dádiva

Não tão raros, feito a lucidez etílica
São os saudosos lábios morenos
Inebriados e cambaleantes em caminhos já traçados
Protegidos pela Odisseia do amor e suor da noite fria

Dou-me nós ao mastro em angústia para as sereias da noite gelada
Tacitamente toda a lógica desfalece em uma epifania
Mais quente que o grito rábico que se anuncia
É o amor que enobrece uma tímida lágrima derramada

Branco como estes versos
São meus olhos ao se deleitarem no infinito
Além de orgulhosos como meus gestos
A mostrarem-te, morena, em imagens belas ao boêmio amigo

Belas são tuas lembranças lúcidas
Que chovem dentro de mim
Tortas são minhas andanças corsárias
Por você vou sair ao infindo em fim

A gordura no fogão perfuma o ar
Bem como o éter e o sal que escorrem dos poros
Eis que é proferido e destilado o palavrear
E por favor, não deixem morrer aqui:

“Por que a noite é tão fria?
Por que o meu amor está tão longe?
E por que a cerveja está tão gelada?”

Pois que seja, meu caro
E que não morra o calor
E que não se apague o amor

Pois que te saúdo, meu caro
Mais que tudo em noites de terras geladas
Embebidas em cervejas congeladas



Inspirado nos dizeres etílicos de Jardel Leite, em uma noite fria no carnaval de 2013, em Guaramiranga. E aqui está, sua frase não morreu, pelo menos pra mim, meu caro.
Abaixo o link do blog dele, deem uma conferida:

http://psicodelicus.blogspot.com

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Irreparável, ou Tratado Sobre Nada


Amanhece em meu temor o amarelo de uma incerteza doída
O pus de um tumor ungido na impureza, uma impureza desinibida
A linha fétida de uma certeza diluída
A escara perfeita de uma vida mal vivida

Nada daqui nada me interessa, pois fora de mim nada existe
E o nada insiste, e o nada incide, e o nada existe

O nada é irreparável, o nada é intraduzível
Além de mim, nada é indecifrável

O nada é irreparável, o nada é indizível
E o nada sorve meu amor
O nada é contemplável, além do nada, nada é compreensível
Como a andorinha, negra, límpida de preto no céu

O céu, condescendente, é minha luz
O nada, complacente, é minha carne
O véu é o meu ventre, absurdamente displicente...
Um aborto! Um aborto de nada!

Que estagna em meu seio o tudo de todas as coisas
Que explode em meu ser o pavor de tudo que é nada
Que rasga em minha mente a ferida de tudo que existe
Que escarnece em minh’alma o prurido do que existe no nada

O nada aqui se faz, mas nada aqui se paga
Sou toda opulência
Beleza...
De carne, carne morta, nervos estridentes
O nada aqui jaz, mas nada aqui se finca

Dor:
Dor lasciva de uma morte mal amada
Dor lasciva de um grito mal ouvido
Dor lasciva de um clamor mal invocado

Medo: 
De tudo que acontece quando não acontece nada
De tudo que se apaga quando não se acende nada
De tudo que escurece quando em meu peito paira... paira o nada

Vingança:
Mais ouvida que o silêncio que antecede o nada
Mais perdida que o não dito proferido ao não se encontrar o nada
Mais combatida que o grito do poeta!
Mais combatida que o grito do poeta ao contemplar...
Ao contemplar o nada!

Isso tudo, meu caro (mais caro que o preço de nada)
Não significa, absolutamente, nada
E somente por isso, sobretudo por isso, ó caro
Significa muita coisa

Significa tudo que existe, significa tudo que existe, significa tudo
Absolutamente, espantosamente, tudo, tão somente tudo
Tudo que não cabe no poema, tudo que não passa de nada
Tudo que quer ser alguma coisa, mas que literalmente, não passa de nada

Só passa mesmo do nada e do nada virá
Pois do nada vem o nada, e nada vem de nada
E apenas o nada se faz de alguma coisa, alguma coisa não se faz de nada
Pois o nada já é muita coisa e é esplendorosamente irreparável

Tão somente irreparável
Tiranicamente
Intempestivamente
Irreparável
E acima de tudo 
Existencialmente
Conflituosamente
Assustadoramente


I N S U S T E N T Á V E L


Ele É



Como posso perder-me
Se não há caminhos para onde ir
Divindades e devaneios funestos
A tornarem-me um ser notívago
Perdoe-me...
Tão cheio de misericórdia e vida!

Ele é,
Eu estou.

Eu só estava à procura do tesouro de ouro
Bem fundo na piscina de sangue do seu quintal
Acabei por enterrar-me
De tanto procurar-me
Acabei por atravessar as fronteiras
Da loucura e da lucidez
Mas afinal o que as define?

Assim como uma cruz
Assim como uma maldição
Você odeia-me até no adormecer
Lave-me antes que eu me limpe
E dançaremos juntos
No vale das sombras
Quando o crepúsculo nos for breve

Faço um contrato com o ódio
Que ainda aflinge-te
Você detesta isso?
Então segure-me
E deturpe minha mente
Estupre minhas palavras

Diga-me por que tenho de ter cuidado
Lave-me!
Deixe-me mergulhar em tua opulência
Não te compreendo
Também não posso
Mas por quê?

Na véspera da morte
A metamorfose
Deixe-me compreender-te
Lave-me!

És sado!?

Queridos amigos
A todo "o" mundo que eu me importo
Tudo que lutei foi por...
Inocência, não conta no vale das sombras
O que vocês pensam de mim?

Ele é!
Eu Estou!

Desde que começou a amar-me
Mas minha realidade:
Eu Estou deixando minha existência

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Amarelo


Havia uma espécie de necrotério no ambiente onde me encontrava, aliás era uma espécie de necrotério, disforme. Contudo, um necrotério em meio a um jardim verde, sem rosas ou qualquer coisa que não fosse mato ou grama. Era um dia claro, porém o horizonte era nublado, mas parecia tão distante e parecia chover ao longe, além do mais algo mantinha minha cabeça erguida a olhar para essa chuva ao longe com a boca salivando, minha língua dançando, me fazendo engolir saliva sem parar... E eu olhava, como que me esgueirando acima de um muro, aliás uma cerca com mato, entretanto era um campo aberto, o horizonte era aberto. Havia um muro de concreto alto, porém bem ao longe, quase perto da chuva, um pouco além do tempo nublado, e onde eu estava fazia sol e o céu estava limpo. Nada, além dos corredores onde estava, parecia me nortear, guiava-me apenas pelo labirinto que se inscrevia aos dois lados, sempre abaixo. 
— Estou eu em uma montanha?
Esse pensamento povoou minha mente por uns dez minutos enquanto continuava seguindo em frente nos corredores abertos com o foco na chuva ao horizonte, agora já com o pescoço levemente à esquerda, mas com o queixo sempre erguido para poder enxergar mais acima. Parecia-me limpidamente que eu estava indo abaixo, cada vez mais abaixo, sempre abaixo, mas algo me mantinha de cabeça erguida, aliás algo me mantinha assim para não morrer afogado!
— Meu Deus! O que é isto?!
Minha garganta doía e eu me sentia sufocado, queria me sentar, mas não tinha onde sentar, meus pés escorregam e de repente sinto minhas unhas arranhando o chão, uma mão no pescoço tentando rasgá-lo a todo custo para deixar o ar entrar. Esgueiro-me pelo chão de azulejos brancos já com as unhas arrancadas, os dedos esfolados, escorregando para o fundo. Os corredores ficando cada vez mais íngremes! A cabeça levantada e as lágrimas em desespero a correrem em meu rosto como o sangue corre em minhas veias, as feições deformadas e um grito de ardor e agonia que não consegue sair, estou morrendo! Sufocado... 
— Sufocado pela minha própria saliva? E que gosto horrível é esse em minha língua?
Minha mão direita continua rasgando meu pescoço. E a chuva parece cada vez mais longe, tão linda... Em meio à angústia do momento tudo que consigo desejar é beber dessa chuva e lavar meu rosto com a chuva forte, sinto que estou me afogando... Os corredores encolhem cada vez mais e então viram um buraco, as vigas amarelas caem todas e juntas com todo o mato e grama são sugadas por um buraco de diâmetro ínfimo transformando tudo ao meu redor em uma terra podre. Estou agora caindo, caindo abruptamente, deslizando em um poço de terra com fezes. Os gritos conseguem sair e me soam como gritos de alguém que está sendo estuprado por Satã no Inferno, com toda a quentura e dor imagináveis. O corpo sendo dilacerado é o que consigo sentir, sinto a carne de minhas duas mãos sendo rasgadas naquela terra imunda das paredes de bosta e gritos de dor ecoam por todo o ambiente. 
— Quero morrer! Quero morrer!
O desespero toma conta de meu ser então a cair no infinito de imundície, o corpo sendo rasgado e perfurado por dezenas de agulhas grossas que levam pedaços de minha carne. O sangue começa a congelar dentro de mim, tudo começa a ficar frio. Os meus olhos, porém, parecendo alheios ao que acontece, permanecem focados no feixe de luz na boca do poço que dá exatamente na chuva ao longe, no horizonte, no mais-além. Encontro-me então em dois extremos do infinito e me pergunto, já acostumado à situação após a dor inicial que açoitava meu corpo e minha consciência, se já estou de fato morto. Chego à conclusão que não, que a morte não é dolorosa, que a morte não é de jeito nenhum essa perspicácia imunda. Devo estar sendo abortado, do útero de Gaia, é isso, abortado do útero de Gaia. Começo a pensar, ainda me agarrando às paredes fétidas e escorregando para o fim se então não tem fim?... Nem mesmo me ocorreu, percebo, a olhar para baixo, fascinado com a visão do horizonte... E então olho e o que vejo é inominável, chega a ser até inefável e um turbilhão de vômito é inevitável. O vômito desce pelas paredes, juntando-se aos meus restos mortais e a carnificina de minhas mãos. Estou completamente nu e imundo. Pergunto-me onde minhas roupas foram parar. Desejo com tudo que ainda me resta que jamais chegue ao fim desse poço, dessa fossa. Desejo mais que morrer, desejo passar a eternidade ali caindo e sendo rasgado até onde possa aguentar ensurdecido por meus gritos de desespero e impregnado pelas fezes e o vômito que escorre de minhas entranhas ininterruptamente. Olho o horizonte, cada vez mais distante, cada vez mais complexo de se imaginar, cada vez mais doloroso de se contemplar, cada vez mais impossível de se aceitar. Mas o que seria doloroso nesse momento? Com certeza a ideia de que existe uma chuva ao longe em meio a um tempo nublado dói um milhão de vezes mais que a dor lancinante que assola meu corpo nu e fétido neste momento.
— Eu não quero morrer... Eu não quero morrer aqui...
Neste momento parece que Satã me abraçou e fez peso em minhas costas que começam a doer sem que possa ter noção da dor inimaginável que sinto. Começo a sentir fome e o vômito que vem a cada dois minutos de queda passa a ser meu alimento. Parece que não tenho mais estômago. Nem sinto mais minhas mãos rasgadas na parede, nem mesmo o cheiro imundo de todo o ambiente. Deve ser assim a morte, a perda lenta e podre de cada sentido ridículo. Depois da fome e das fezes que começam a escorrer de meu corpo não sinto mais nada, parece que estou em algum lugar indefinível, em um universo paralelo, feito só de eletricidade. Entretanto a chuva ao longe parece não desaparecer, acho que enfim estou com o desejo realizado, estou passando a eternidade aqui, nessa queda, lentamente tudo vai perdendo o sentido e nem lembro mais meu nome ou o que quer que seja que me defina. A contemplação é a única coisa que me resta, estou perdendo, estou desfalecendo, caindo aos pedaços, não consigo mais resistir... Um último grito:
— A queda!
Tudo se foi.
Estou agora morto. 
Não! Não posso estar morto, estou boiando no mar e acima o que vejo é um imenso espiral rosado que exala um odor fétido.
— Mais o que diabos é isto, afinal!?
Encontro uma chave em meu bolso. Minhas roupas estão de volta, mas o que isso significa e o que aconteceu? Não posso ter morrido, lembro infelizmente de cada detalhe do que aconteceu e enfim e meu corpo começa a doer. Procuro e não encontro nenhuma marca e meus dedos intactos. Lembro-me da chuva no infinito, ah, a chuva, como queria um pouco daquela chuva agora... Daria tudo. Ainda flutuando no mar me pergunto o que está acontecendo. Não aguento mais essa situação toda, o que significa isto?! É alguma espécie de sonho doentio?
— Deus, por quê?
Seguro a chave prata em minha mão esquerda e o mar começa a se revoltar, ondas imensas e parece que vou morrer afogado, de novo... Aliás, morri afogado? Tudo se transforma em um grande redemoinho. O desespero começa a me assolar novamente, não consigo me desvencilhar, resolvo me entregar, não aguento mais essa situação toda. Os olhos fechados e a chave firme em minhas mãos. A coisa parece se repetir inteira, dessa vez sem as fezes. Mas o que está acontecendo? Caio sentado no mesmo lugar onde estivera antes e enfim desisto de tentar entender qualquer coisa que seja. A chave ainda está em minha mão. Sigo nos corredores e ao lado esquerdo começam a aparecer gavetas mortuárias, cada uma com uma fechadura. Paro de caminhar em frente e pareço nem sequer lembrar-me da chuva ao horizonte. Decido enfiar a chave em alguma das fechaduras nas gavetas, penso se estou morto.
— Então, deve ser aqui onde ficam os corpos de todos os mortos.
As gavetas em salmão contrastam com a cor amarela das colunas que sustentam os corredores sem paredes à direita. Procuro meu nome, mas não consigo lembrar meu nome, o esqueci, isso é inaceitável! Então quem sou agora? De repente penso em como isso é irrelevante, não há ninguém aqui além de mim. Por que nominar? Isso não tem serventia alguma. Enfio a chave em uma fechadura qualquer, pelo nome parece ser uma mulher, uma luz verde acende, abaixo lê-se “morta”. Minha chave mata as pessoas? Isso são pessoas? Se então mata, o que são isso senão gavetas fúnebres? Enfio a chave em mais duas outras fechaduras, pelo nome mais duas outras mulheres, a luz verde acende-se mais duas vezes: “morta” e “morta”. Não consigo mais entender nada e decido parar ali mesmo e pensar. Permaneço por 30 minutos a pensar e o silêncio de meus pensamentos são perturbados por um som de mulheres discutindo. Olho à direita sobre o ombro  e três mulheres parecendo agitadas aparecem. Ao me verem ficam em silêncio e seus olhos esbugalhados fitam minha mão direita, onde está a chave. A loira de meia idade se aproxima:
— Foi você!
O medo toma conta de mim, o que fazer agora? Ela avança como um lobo faminto em sua animosidade, acompanhada das outras duas, uma de cabelos castanhos com cerca de 20 anos e uma negra com seus 60 anos. Ao chegarem perto instintivamente desfiro um soco que acerta as têmporas da loira que cai de súbito morta, perplexo levo as mãos à cabeça e as duas mulheres permanecem imóveis com seus olhos esbugalhados. Falo para não se aproximarem, mas elas parecem não entender o que falo. Elas então rompem o silêncio e me dizem para não fazer nada com elas, só estão desesperadas porque as tirei da morte e as trouxe para cá. Não entendo e mais uma vez procuro não entender. Tento argumentar que não entendo o que acontece, mas elas parecem não entender o que falo, pareço falar em outra língua. Elas param de falar e tentar entender, voltando ao silêncio. A mais nova, de cabelos castanhos, começa a tirar a roupa, seios bonitos e um clitóris grotesco, enorme, com uns 5cm de comprimento. A negra então diz para voltar e passar a chave na porta de sua filha, diz que ela está agonizando há dias, que não aguenta morrer, por isso devo acabar com o seu sofrimento de mãe, começa a se desesperar, seus gritos agudos de choro e sofrimento ressoam por todo o ambiente fazendo os pardais calarem-se.
— Devo estar no inferno.
A garota deita-se em cima da loira de meia idade morta no chão e como um súcubo louco tira desesperadamente sua pouca roupa, caindo de boca em sua vagina rosada e de pêlos castanho claro, sugando-a inteira, de dentro de sua pequena vagina com um clitóris enorme começa a sair uma glande imensa e então um pequeno pênis, ela posiciona o cadáver lívido ainda fresco com as pernas abertas em cima de seus ombros delicados e estoca entre as pernas da morta, lânguida, se contorcendo em prazer, seu corpo treme inteiro. Ela lambusa a morta inteira com sua saliva que jorra da boca como um vômito. 
— Devo estar no inferno.
A negra grita ainda mais alto e começa, então, a rasgar o próprio rosto com as unhas e arrancar os próprios dedos a dentadas, berrando sobre sua filha, rasgando sua roupa e cortando a própria pele escura com a mão esquerda enquanto arranca os dedos da direita.
— Devo estar no inferno.
Atormentado pela imundície que presencio começo a me afastar, estupefato pela visão de horror que contemplo. A negra me segue e a garota geme ainda mais alto, agora mordendo o pescoço do cadáver loiro e com um pedaço de seio na mão direita ensanguentada. Com a mão esquerda começo a furar meus olhos a procurar o portão com meu nome para dar um fim a essa merda toda. Enfim minhas palavras são compreendidas enquanto digo:
— Não aguento esse sofrimento, eu quero morrer! Quero voltar para o lugar de onde vim!
A negra se contorce inteira e vem me seguir, eu já correndo e ela grita:
— Sofrimento?! Sofrimento?! Você não sabe o que é sofrimento! Você não faz a mínima ideia do que seja sofrimento, seu idiota! Você não está em meu corpo para saber o que é sofrimento! Dê-me essa chave! Dê-me a chave! Dê-me a chave!
Arranco meus dois olhos enquanto berro agudamente:
— Sofrimento! Sofrimento! Sofrimento! Sofrimento! Sofrimento!...
Quando acordo ainda consigo me ouvir gemendo alto a palavra sofrimento em meio a madrugada, em minha cama de solteiro, completamente ensopado de suor. O relógio marcava 1h25min e demorei apenas cinco minutos para voltar a dormir.


Lábios Ensebados


Erê estava lá, mas veio aqui segurando borboletas nas mãos trêmulas. Seu pranto escorria dizendo que estava cansado. 
Ah! Duas almas rasgam meu peito! 
Minha paixão se divide entre dois amores, disse-me Erê. Foi nesse momento em que percebi quão inerte é a vida, um simples sopro no escuro, lábios gelados que beijamos em meio ao pranto morno noturno, lábios embebidos no suor matutino vindo dos pesadelos de outros universos. 
Diamantes adentram a cena, Erê dança sua macumba, agita o espaço, todos gritam, conclamam o desejo. A carne se ergue, o sangue ferve, meus fluidos chamam minhas paixões, a dualidade desfalece e faz a noite líquida. 
Oh, escuridão! 
Hora de semear desejos profanos e colher edemas sexuais na noite límpida. Erê se anima novamente, adentra o espaço liquefeito e dança sua macumba. O Pai se inscreve deslizando as ideações, os sentidos atribuídos, mas Erê responde, a macumba aumenta, Ogun de Ronda vem com a Madame das Sete Encruzilhadas. 
Oh, lábios ensebados! 
Gozo louco e infinito, sem limites, sem limites, sem limites, sem limites, sem limites, sem limites... por algumas dezenas de segundos... por alguns poucos minutos. 



O Pai se contorce no canto iluminado da noite.
A madame canta o canto dos segredos solitários na noite.
Erê açoita os homens e mulheres por dentro da noite.
Ogun e sua espada de luz perverte as mulheres na noite.


Tudo que respiro agora cheira a união, o vento exala orgasmos.

domingo, 20 de janeiro de 2013

"Você pode ver a verdade por baixo das rochas".


Entendam o desenrolar de um movimento social, podemos assim dizer, através de processos históricos e percebam como o panorama cultural se inscreve na sociedade através dos processos subjetivos de identidade, além, claro, de toda a conjuntura política no cenário de um país e de um movimento. Esse documentário é lindo e por todo o filme há diversas máximas proferida pelos "personagens", os quais tem imenso peso histórico e cultural. Ótimo exemplo para estudo histórico da conjuntura social utilizando para tal uma manifestação cultural específica que diz muito sobre os sujeitos inseridos e consequentemente ao observador.
        Isso merece uma resenha bem trabalhada, mas isso não me é permitido no momento. Por ora, apenas assistam esse belo documentário sobre o black metal norueguês e vejam como se dá o agrupamento de sujeitos e como os processos históricos modificam-se com o as subjetividades englobadas, através de relações intersubjetivas e a influência cultural e midiática do panorama político.


Mergulho


Levantando-se
Deitando-se

A vida leva-me a viver morrendo
Cada dia um pouco mais
Nadando dentro da vibração
Você profere as palavras
Um quando está no topo
Um quando está no chão
Porque eu sou o único
Sou a única marionete
Perco a morte
Ganho a vida
Não gosto de perder em seus jogos
Você me denomina
Quando virei-me ao avesso no pensamento
Perdi a cabeça e ganhei a lucidez
Mas os sinais que vêm do céu
Dizem-me o contrário
Como em uma cachoeira:
Eu bebo do rio da vida livre
Ganhei grilhões
Bem alto você me olha
Escarro em tua face
Nada faz
Escarneço em tua face
Calmo permanece
Vem a chuva e não me molho
Vêm as brasas e não me queimo

Vem o mar e não nos afogamos
No mais:
Mergulhar...


Nem de longe faz meu gênero, mas cabe.

Recomeço: Hiperbórea

Depois de ler e reler os devaneios alheios decidi recomeçar o que antes fazia, mesmo que de maneira quase impossível, devido a diversos fatores, porém o que não se inscreve como a razão de minha displicência por aqui.
Estrearei então com isso, pelo que lembro a última coisa escrita em papel que saiu de meus dedos queimados, e que não foi destinado a ninguém em particular como instrumento de amor:



“Olhemo-nos nos olhos, nós, seres hiperbóreos!”

É com essa assertiva dolorosa e “suicidante” que se começa um galopante romper de contravenções.
“O mundo é tudo aquilo que é um caso, mundo, mundo, vasto mundo...”
Se eu desse Adeus a tudo... (pausa para uma observação obscura e para pensar)
- Realmente não tenho o que pensar sobre isso, não há o que se pensar sobre isso.
Enquanto me masturbo intelectualmente questionando-me da existência dos seres e das coisas, questionando-me sobre o nada, praguejando contra os tais “mecanismos de poder e dominância”, procurando subversões sedutoras aos ouvidos das moças pensantes e sedutores ao meu ser frustrado, algo ocorre de errado. Defina-me o Nada, “Na verdade Nada é uma palavra esperando tradução...”. Quando meus olhos não se cegam mais com essa luz imbecil que machuca, fico inventando os mil conceitos de amores e sobrevivência, ao menos, “moralina”, não tenho. E o niilismo tão essencial ao meu existir decadente faz-me querer sorrir quando estou de cabeça baixa olhando meus amigos vermes partilhando a escassez sobrevivendo no escuro. Dando adeus a toda gramática de maneira tácita prazerosa, tento agoniar teus olhos e tua felicidade que me dói. Em desespero com um sol que nunca deixa de existir. Meu amor, você acha mesmo que o sol levanta-se por você todos os dias? O sol nunca saiu do lugar, relativamente, ele nem se mexe, continue olhando a lua hipnotizante, ou seja, apaixonante, desviando seus devaneios para os olhos de um rapaz bonito, esteja ele lhe abraçando ou pregado em uma cruz. Toda contravenção tem um pouco de “Náusea”, e não leio certas coisas por que não se pode escrever e engolir vômito ao mesmo tempo, outrora ler nauseando-se era a lei, mas que tipo de prazer faz-me te querer?
02 de maio de 2011 da contagem errada. A partir de amanhã necessito mesmo deixar de quantificar os impalpáveis e inefáveis querer-se-encontrar com meus amores, o amigo dê-me uma moeda. Tantos instrumentos nocivos que não sei por onde ir, então a agonia pautada na imundície invade-me como um súcubo louco, que loucura é essa afinal? Preciso mesmo desse cabelo, por que não posso arrancá-los um a um? Pressa não é com a gente, a “Pose” é o nosso negócio e os deuses são nossos sócios majoritários, um castigo blasfemo, o qual invade-nos a mente infeccionando e estuprando-nos em nossos próprios devaneios. Ora, afinal que são alguns pensamentos bobos quando o vento se encarrega de derrubar a todos? Olhe-me nos seus olhos e diga-me o que vê. Vês?
Não interessa-nos toda essa prática perplexiva de escolher um condenado ao julgamento enforcando-o em nossas entranhas. Malditos malogrados amargurados por toda a História, de Judas a Aleister Crowley, passando pelo próprio Jesus e Charles Manson, pobres homens. “Ei Jesus Cristo o melhor que você faz é deixar o pai de lado e fugir prá morrer em paz!” E esse peito peludo sensual exibido numa cruz agonizante suja de sangue com um título de rei? Por que não outro nariz?
Nós, seres hiperbóreos, jogamos certa vez pedras ao sol e outras vezes demos-lhe sangue e outras, frutas. E é sempre a mesma coisa, essas oscilações machucam-nos com Gramática, Matemática, Filosofia e Clitóris. Mais uma vez: A esperança? Pior atroz do Homem, deixa-nos a mercê de uma esperada bonança. Toda a nauseante e vil glória de ratos gordos e suas cidades fora dos esgotos mordem nossos calcanhares e comem nossas crianças suicidas. “Triste vocação: A nossa elite burra se empanturra de biscoito fino.” Fique longe de meus animais favoritos, pare de defecar em nossos olhos!
Essa riqueza existencial trata-se de todo um respaldo de Titãs agoniados com seres verminantes que se procriam em nossas casas. O resto todo é só um gás venenoso e uma coisa que chamamos de insanidade. Eu prefiro chamar de lucidez não-etílica. Nossas sofisticações insustentáveis fluem através de madrugadas loucas e tentativas de se procriar com fêmeas e machos próximos, sejam lá qual forem as suas espécies que se manifestam disformemente durante um dia sorridente, faça chuva ou faça sol. Com dentes estridentes que machucam os ouvidos de uma não suicida mão gangrenada. Bocas nojentas que falam sobre amor dentro de corpos que possuem sangue manifestam seu partido contra os desprovidos da consciência que lhes é ofertada com drogas, luxo, deuses e vícios.
A alienação abortada é o que nos resta de ciência consciente do ser, juntamente com a lama que brota de teus olhos em uma visão para crianças surdas-mudas, mas não cegas.
O Führer existe em toda liturgia escravizante de templos bonitos. “Ela é tudo para mim, ela é meu templo, ela é a única que me deixa triste. Eu não deixarei isso crescer dentro de mim.” Seus dedos mortos fazem-me carinho com pudor, esfacelando-me com todo o seu torpor morto. Sim, mortos existem, estão lá, estão lendo, estão escrevendo. Arranque seus olhos e corte seus braços, esconda suas mentiras enrustindo-as em suas verdades, entre pela porta estreita como um mártir zumbi. Ou junte-se ao Nada. Seja.

“Olhemo-nos nos olhos, nós, seres hiperbóreos.”