segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

No Te Conozco, um Fragmento

Pinceladas brancas ameaçam cobrir completamente os seus cabelos. Sempre o mesmo tribunal, abundante, que clama e ferve influenciado pela invasão ocidental: o mesmo há 40 anos. Talvez esta seja a única característica que preserva a juventude, até para ele. Seu rosto visto sem muita atenção, mostra uma situação que já lhe rendeu algumas piadas de bom e mau gosto, seja qual for o caso.  Mas de sua boca não saía palavra senão ordem. Parece quase sempre desfrutar da associação entre a rigidez e amargura de um rosto enxuto e seco, mesmo quando sorri, mesmo que raramente.

Aqueles que com ele cresceram dizem que seu semblante irradiava vitalidade, alegria, esperança, paz, muitas coisas enfim. Onde estava aquele jovem? As coisas mudaram, gestos que feriram demais e o situavam em um falso estado de desconforto; os lábios franzidos não são um sinal de insatisfação ou raiva, nem emoção expressa de alegria. Não significam nada, sequer a influência do tempo. Apenas ocasionalmente seu rosto relaxa para permitir o nascimento do sorriso que ela tanto ama. Sua silhueta alta, imponente, juntamente com o seu rosto, lhe atribuem uma personalidade taciturna, cria o medo. Impõe respeito, do que bem reafirma sua fala: fluente, claro, forte, reconfortante e também repressor, dependendo da situação.

Parece que esse homem viveu todos os anos de todos os tempos; a qualquer indício de novas experiências ou qualquer tentativa de quebrar a rotina, ele responde à sua idade como desculpa, insuficiência ou incapacidade. Quem terá dito que importam os anos? A resposta é que, em última análise, a melhor época da vida é quando se está vivo. Mas ninguém sabe se ou quando esse homem morreu; apenas se sabe que ele é argentino, ou chileno, peruano, na verdade não importa.