quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Só Acaba II

Fez questão de deixar a porta aberta, saiu quase bêbada. Ficou o cheiro do cigarro nos dedos, a marca de saliva no copo deixado sobre a mesa na cozinha e o lixo que nunca foi dela: absorventes sujos, preservativos usados, papel higiênico com urina e um homem invisível que não chorou uma lágrima sequer. Oswaldo Montenegro ressoava em sua cabeça como bandolins em valsa. Fora isso se concentrava em chegar ao ponto de ônibus mais próximo, mas preferiu desviar o caminho e foi em direção à Avenida Beira Mar. “Como pode um côco ser dois reais?!” Não interessa. Não ousou dizer nada, nem mesmo ouvir, lambia o mar com os olhos, não era salgado, parecia distante.
Por perto um pescador, fotografou. Imaginou um verso qualquer de Leminski, Chico Buarque ressoava alguma coisa que não compreendia na sua mente, mas era sobre ela. De fato acreditava nisso. Viu um assalto, achou até engraçado aquele homem branco com as mãos na cabeça e logo em seguida dando de ombros. 
— Bom dia, meu amor.
— Bom dia.
— Sonhei com você, foi bom.
— Como foi?
— Não lembro, mas era bom. — Comprei vinho.
— Legal.
— Mas é vinho seco.
— Você sabe que eu não gosto.
— Eu não comprei pra você, só quis falar que comprei.
— Ah, tá.
— Tenho que ir trabalhar.
— Tá bem, te amo.
— Também.

O também não significava eu te amo, ela enfim pôde perceber. Sempre quem se despedia com eu te amo era ela. Afinal o ocupado sempre era ele. Enfim soube que eu te amo também não é tchau. 
Tinha muitos livros dele, decidiu não devolver. Ao chegar em casa pôs os livros sobre a cama, abriu alguns e os riscou a lápis com versos de Neruda e Pessoa, trechos de músicas da Maria Bethânia. Abriu um Kundera velho e atrás da orelha escreveu

Tu eras também uma pequena folha
que tremia no meu peito.
O vento da vida pôs-te ali.
A princípio não te vi: não soube
que ias comigo,
até que as tuas raízes
atravessaram o meu peito,
se uniram aos fios do meu sangue,
falaram pela minha boca,
floresceram comigo.


Acrescentou o seu nome, a data e desenhou um sorriso. Quando terminou lembrou de Tereza, sentiu afeto por Sabina, odiou Tomas e sentiu pena de Franz. Sentia-se demasiadamente leve. O gato se aproximou deitando-se ao lado dos livros, o chá esfriou. Sentiu vontade de chorar, sentiu até um medo quase instintivo. Deixou entrar e sair tantas coisas na vida, mas nunca fora ela que decidira o que colocava dentro ou tirava para fora de si, uma vez que sempre pedia a alguém para fazê-lo.
— Preciso terminar o artigo. — falou sozinha.

Olhou na janela e viu o cenário da favela por trás do seu pequeno apartamento. Crianças correndo, esbaforidas. Bola, bila, concreto, gritos de mães, cerveja na esquina, dominó. Sentiu vontade de chorar mais uma vez e percebeu que sequer sabia onde estava o celular quando quis telefonar para conversa com alguém. No whatsapp centenas de mensagens, nenhuma pra ela. Dormiu no tapete da sala. O gato ficou no quarto e o chá continuou frio sobre o criado mudo.


"— Eu vou te amar pra sempre.
— Eu também, meu amor.
— Passei o dia pensando em você.
— Eu também.

Ambos mentiam e sabiam disso.

— Vou dormir, amanhã tenho que ir trabalhar.
— Ah, tá bem, amor. Te amo.
— Também te amo."


Por que não tinham coragem de dizer boa noite?

Dormiu demais, acordou tarde, decidiu não ir à faculdade.

— Vou fazer bolo.

Enquanto assistia Friends o comia acompanhado de chá.

— Oi, filha. Tudo bem? Não liga mais pra sua mãe.
— Oi, mãe. Tudo bem sim e com a senhora? Desculpa, ando ocupada.
— Imagino, tá na aula?
— Não, tô em casa.
— Mamãe fez um bolo tão gostoso, queria que você tivesse aqui, só lembrei de você.
— Ah, também fiz bolo.
(...)
— Quando você vem aqui?
— Não sei, mãe. Acho que quando tiver o próximo feriado eu vou...
(...)
— Tchau, manda um beijo pro Caio. Diga que estou com saudades e que depois mando um bolo pra ele.
— Tchau, mãe. Beijo.

Ainda com o celular em mãos pensou em digitar “bom dia”. Desligou o celular. Apertou play.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

O Céu de Ana

— Ele assumiu namoro.
Era o dia de seu aniversário. 
Teimando em muitas vezes se esconder. Era bastante notório e até comum ao derramar sua vida sobre estranhos.
— Por que você tá contando isso pra ele?
— Sei lá. Ele é simpático.
A reprovação não existia.
— Eu não acredito em amor.
Não dava nem sequer para dizer que era a resposta mais fácil.
— Sabe quem eu vi? O Rafael, ele tava com uma menina no shopping. Ela era bonita.
— Por que você tá me dizendo isso?
— Sei lá. Por dizer.
— Eu não quero saber. Isso não me interessa. — interessava sim.
As amigas diziam o que sempre as amigas dizem, para seguir em frente, esquecer, curtir, etc.
No céu de Ana as estrelas só brilhavam à força, quando ela fechava os olhos todas se apagavam.