sábado, 23 de agosto de 2014

Homem animal

— O que cê tá fazendo, Wolf?
— Esterilizando.

Respondeu o homem grande, branco, de barbas longas e tatuagens enquanto derramava cachaça sobre uma cadeira dessas de universidade. A garota parecia demonstrar, em seu tom de voz, incômodo com os homens ao seu redor e com o que estavam fazendo. Todos estavam bêbados e ela não, era também a única mulher. Talvez por isso estivesse parecendo tão sensual em sua pele branca e cabelos negros em sintonia com os seus seios médios que balançavam enquanto caminhava.
No dia acontecia um encontro nacional de estudantes de História. Por todos os lados pessoas em grupos e barracas. O ambiente estava ótimo, cheiro de maconha. Sobretudo para o lobo, que caminhava sozinho, louco para rasgar qualquer coisa, louco para tirar a roupa.
Ao fundo tocava uma música esquisita e absurdamente excitante, fiquei ligado de súbito enquanto a vocalista gemia sensualmente os versos:

“Au Au Au Au
Você lambendo o meu corpo
É meu homem animal”

— Vou colar ali.
Quando olhei foram convidativos, levantaram um copo e disseram algo que não ouvi muito bem, pois estava concentrado demais no semblante da mulher que dizia “quero ir embora, alguém me tira daqui, pode até ser você, qualquer um”. Obviamente, o lobo me fez imaginá-la nua. A fantasia é incontrolável, e justamente por isso é tão prazerosa, animalesca.
Porém, titubeei no mesmo momento e desviei o olhar para frente mais uma vez, na direção em que caminhava, que já era traçada. Não estava muito a fim de surpresas nem incertezas.
Ali ao redor tantos animais e corpos que falam, um tom de voz qualquer já é o suficiente para se entregarem. Afinal, eu não quero você, só o seu semblante, o seu descontentamento ao falar. Lamber o seu corpo, lamber um corpo, uma presa dissimuladamente difícil, mas que se entrega, adoro.
Nos últimos dias tudo na minha mente gira em torno de caninos e tenho me comportado como um há um tempo: mordo fácil, não largo o osso, sem dono, urinando onde acho que é de minha posse, onde acho que quero que seja meu, chamegando um e outro, e quando trepo com as cadelas, da rua ou de casa, não quero tirar de dentro depois de gozar.
Ficar grudado não em uma mulher, mas especificamente em uma boceta, tem sido quase que um hobby, um hobby doentio e infantil eu diria. Entretanto, as bocas e as línguas tem despertado mais o meu interesse e tenho me comportado nas últimas semanas como Wolf, esterilizando cadeiras com cachaça, desperdiçando a embriaguez em minha própria casa, onde me sentaria e sento. É quase que cuspir no prato que comeu e lambê-lo depois, usar a dor como arte e espetáculo de histeria, completamente superficial, mas não é, pois é completamente diferente, é o contrário!

Do lobo e do homem que só surgem com a lua como amigos de angústia, amigos da angústia, dignos de desprezo. Sendo a alcateia ou os lobos solitários nas montanhas geladas da Noruega, todos dignos de desprezo. Simplesmente pelo motivo de não se importarem com nada e ao mesmo tempo se darem demais. A demasia de solidão: felizes, só querem comer e dormir, por isso caçam de vez em quando. Sua felicidade incomoda, então a minha.
Wolf estava certo e a errada era ela por não estar bêbada.



sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Der Steppenwolf

Jamais ousarei tocar em você, lobo. 

Algumas pessoas nunca mudam e isso sempre acontece, da mesma maneira. É sempre tudo igual, “le temps detruit tout”... Eram sete ao todo. Sete lobos em minha janela e sete beijos no pescoço dela(s), irresistíveis, irreversíveis...

A omissão para proteger as almas é o novo hobby daquelas que me circundam, de Yoko Ono à índia irritantemente conhecida, cujas ambas os familiares vem da mesma terra de mato queimado.

Se algum dia eu faltar com o respeito saberei exatamente onde devo chegar e não parece um lugar tão ruim. Se eu uivar alto demais à noite talvez acorde toda a vizinhança e os corvos então adentrem a minha morada. Mas se eu ficar sem silêncio à espreita, na estepe ou nos galhos, provocarei medo e essa não é a intenção.

Doravante o que se encerra em meu peito é um allegretto, é um amor a conta gotas, é um sussurro mudo que arde inconsequentemente.

Inefável? Inefável é o que o lobo faz no pescoço dela(s), rasga tudo! Não sobra carne sobre qualquer osso, só fica a saliva que envenena, corrói a alma.

Inconstante, o lobo desfila e come a própria carne antes que vire carniça, vomita tudo no pescoço dela(s), é insustentável.

Em sua boca há sangue, saliva, fluido vaginal e esperma; há, sobretudo, medo. 
Há doença, há prurido, há tesão.

Na lágrima quente vai embora todo o ideal de casal que é reposta com vinho seco, da parte delas com atividade e conversas em redes sociais, mas com uma identidade torta, torta como o lobo certo. Ah, a contemporaneidade! É muito pelo contrário, não cabe nada no que é pós moderno. Só cabe o que é, o que foi, o que vai ser, mas não cabe.

O lobo desfila, caminhando com os espíritos do vale dos suicidas em um monte qualquer da República Tcheca, em Praga, e canta em sua língua: Manche Menschen ändern sich nie.

Farto de beijos rápidos, só quer comer.


segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Você comeu a minha paz

Quando eu tornar a ver a luz do dia 
o incógnito crepúsculo que se deitou sobre mim 
já terá ido embora. 

Pois que com horas tão largas 
nada que se coloca no silêncio inerte 
de um coração rompido 
faz deitar tranquilidade alguma. 
Neste caso, a solidão não passa de desespero
pois a companhia é injuriante. 

Apesar de tudo
em mim ainda bate um coração
dentro de um murcho peito
onde não cabe mais nada.
E as setas que voam ao meio dia 
se demoram mais que o necessário

Você comeu a minha paz,
mas regurgitou em mim o amor.
Lançou sobre mim toda ansiedade,
vomitou em minhas angústias:

Todas as suas falhas
Todas as suas faltas
Todas as suas falas
Toda a sua indiferença falsa...

terça-feira, 12 de agosto de 2014

(Re)encontro(s)

O que vai embora
Sem vergonha, medo e remorso
Jamais se encherá
Do que foi outrora

Quando se pisa no passado
E cai no futuro
Fica junto uma saudade
Que leva longe um pecado

Fica sempre no ouvido
Babado, molhado, lambido
O som abafado de um gozo
O inquietante odor de um gemido

E nas virilhas ensopadas de luxúria
Ainda restam as marcas das mordidas
Ainda resta o cheiro de saliva
Exceto o beijo que a gente se priva

E pela porta deixada aberta 
A lua entra e faz morada
O vento sopra e beija as faces
E a cama nunca é deserta

Nas promessas descumpridas
O amor esmorece
E a paixão escurece
Em lembranças diluídas

Mas de tudo fica o fogo
Fica o torpor de um desejo constante
Inebriado no meu pau gozado de saliva
Latejando em seu sexo pulsante

No mais, estou indo embora
Já passou meu carnaval
Na quarta-feira de cinzas eu morri
Com a chama que arde em meu peito agora

No mais, estou indo embora
Fica em nós a marca de saliva
A marca de um amor interrompido
A marcar que nunca se enche de outrora

E por fim, fica o beijo
Fica a culpa e a incerteza 
Mas sobretudo a clareza
De que nada além do amor vale tão a pena

E é por isso que quando se encontra
Se sente orgulho do que foi
Se sente orgulho do que é
Se sabe a hora de abraçar
Se sabe a hora de beijar
Para celebrar o fim de um encontro

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Onze

Foram onze badaladas e restou apenas uma para se fechar um ciclo, que como tal continuaria andando em círculos. No meio da roda ela para e dança e consegue o que deseja: que todos a olhem. Enquanto Britney Spears geme I’m Slave 4 U ela dança, as pessoas olham, mas só quer chamar a minha atenção. 
No meio da multidão estou em pé, ali por perto te olhando disfarçadamente e fingindo indiferença. Você se aproxima e quando te olho seu corpo treme todo, beija minha boca de leve ao lado e sussurra enquanto mexe devagar com as mãos em minha cintura “I'm a slave for you... Like that... Now wacth me...” e sai, chama outro cara pra dançar. Me limito a dar um trago.
Na verdade, isso tudo não tem nada a ver: hoje é dia onze e é por isso que escrevo.

domingo, 10 de agosto de 2014

O universo não é por minha culpa

Foi uma noite ruim, pois não tive nenhum pesadelo. Os sonhos foram ótimos, mas eram sempre os mesmos e sempre com você e isso passou a incomodar. Por isso a noite foi horrível. Enquanto eu batia na mesma tecla o mundo insistia em não acabar e isso foi a melhor coisa que aconteceu na história do universo: um prazer superestimado, uma masturbação intelectual, o gozo.
Estou jogando o jogo sabendo que a felicidade esquenta e queima, mas a tristeza arde na pele e ainda por cima deixa a cicatriz. Entretanto, por mais obtuso que eu queira ser, a mancha de alegria deixada por você em meu corpo arde mais do que qualquer tristeza desse mundo.
Em um mesmo dia beijei você em sonho e  escondido por algum lugar dessa cidade onde nunca havíamos ido antes. Os estranhos nos viam e achavam que éramos um casal, afinal somos um casal, mas então por que nos escondíamos? Nos escondíamos dos olhares conhecidos e apesar de tudo estava achando a situação divertida, embora perigosa, pois os conhecidos passavam por todos os lados. De fato, nos machucamos com tudo isso e não foi pouco, só tirei o gosto dos seus lábios beijando outra mulher, bebendo cerveja, vinho, vômito, fumando cigarros e com o sabor inconstante de fluidos de mulheres estranhas. Isso sim cabe no universo.
Em um mesmo dia beijei você em pensamento e logo após em minha cama. Fiz morada entre suas pernas e você gemia alto demais. Apesar disso fiz questão de não calar a sua boca com um beijo e sim com um tapa, um movimento brusco onde quase quebrei seu corpo frágil e quando abrimos os olhos fomos capazes de enfim conversar. Hoje fazemos questão de dizer que isso não foi nada, mas não foi. É sobremaneira muita coisa, é coisa demais.
Em um dia quis lhe beijar e você deixou, mas ao ter que mexer com a minha cabeça até você que esperava por mim bem perto preferi apenas sorrir e te ver sem graça enquanto eu te elogiava com meus olhos. Seu sorriso tímido é lindo. E beijá-la significaria nos apaixonarmos e isso para mim não mais.
Eu sou incrível quando estou feliz e quando estou triste tudo vai à merda porque faço questão que seja assim. 
E se eu chorar, se eu sangrar, se eu arquejar em teu pescoço, me deixa quieto. Me atiça! Me deixa quieto em tua pele, me deixa quieto dentro de ti e faz morada em mim segurando a minha espada com as duas mãos. Quando fizer isto me olhe no olho e me beije.
E se eu gritar, se eu amar, seu eu gozar em teu rosto, não se esqueça de me lamber. Me deixa molhado, me envenena! 
E se eu gritar, se eu rosnar, se eu ranger meus dentes, me aperta forte e me rasga com as tuas unhas. Só não as crave em meu peito, as deixe longe do meu coração, mas me rasgue inteiro!
Quando eu arranquei teu desejo com a minha boca trouxe junto a tua alma e ela agora mora em minha casa.
Eu sou incrível quando estou feliz. "Puta merda", você disse. Quando eu acordei hoje estava sorrindo. Quando abri os olhos, me levantei e saí pela porta eu sorri e o mundo me sorriu de volta, me deu um beijo no rosto com o vento e um tapa no ombro dizendo: eu amo você. 
Quando eu fui dormir eu sorri também, mas o universo não é por minha culpa.

terça-feira, 5 de agosto de 2014

Teu Cabelo na Minha Cama

Você foi embora e, orgulhosa e ressabiada, fez questão de deixar aberta uma porta que só você tem o poder de abrir e fechar. Deixou a porta de minha casa aberta e a janela escancarada para que eu continuasse passando frio. Levou minha comida para me deixar morrer de fome. Entretanto, me dava água sempre que eu pedia quando tinha sede, pois você adora essa posição, adora ficar de quatro.
Desde o dia em que você se foi não cabem mais seres que voam em meu peito outrora tão povoado de liberdade. Os pássaros todos morreram, suicidaram-se todos em meus pés. Estive anestesiado e preferi as cinzas, pois eu não sei andar de pés descalços em brasas.
Você quis me machucar da maneira que pôde e conseguiu, mas meu corpo é fechado e saiba que não ando sozinho. Oxalá se fôssemos felizes... com todas as cartas na mesa.
Você sempre esteve aqui, só não podíamos nos desenvolver. Eu a abracei e atendi ao seu chamado de mulher histérica. Deixei você pôr a serpente em volta do meu pescoço sem medo.
Lhe seduzi, mas não quis ir à frente. Eu só queria lhe observar.
Não vá pensar que estou falando de você porque não estou.
E você chegou de maneira inesperada, se aproximou e me pediu abrigo, aninhou-se em meu colo e me pediu um carinho e um beijo. Ninguém lhe acompanha a não ser a sua dor que me foi mostrada de maneira terna.
A noite foi liquefeita e o universo não é nossa culpa. Ai, que se todo o amor do mundo coubesse dentro de mim! Se todo o meu desejo coubesse dentro de você e a minha espada em riste não lhe causasse confusão.
Vocês são uma só mulher. Abandonadas, mas por quem?! Mentem a mesma mentira de se sentirem puta, riem da mesma piada da solidão alheia, chupam e engolem com a mesma boca e gozam com a mesma boceta.
Sou dado a paixões e me entreguei em suas mãos, quis amar, mas amar a quem? Eu não quis nada. Se um dia eu colocar fogo em todos nós não será você a primeira a morrer incinerada, pois você queimará lentamente, como o meu amor que você quer assassinar me desprezando com sua armadura falsa, boneca de lata.
A vida na Terra é complicada, são tantas chances de erro que a alegria sempre tem de atravessar paredes através de ideações. Lá do alto deve ser bonito aqui embaixo. Conquistamos todos uns aos outros e às outras e nossos corpos se tocaram. Eu adorei beijar os seus sorrisos.
Estou atento a seguir os seus passos e o faço muito bem, pois você não consegue se esconder de mim, você faz questão de me mostrar aonde vai, apesar de fingir que não existo com sua armadura falsa de boneca de lata que não aguenta um sopro do meu coração.
A verdade é que você sempre esteve aqui porque foi de dentro de você que eu saí, estive por muito tempo dentro do seu ventre e nunca superei o desejo de voltar. Suas entranhas é o meu lugar e não há ninguém que me convença do contrário. Não vou descobrir nenhum passado que não me pertence porque o passado não pertence a ninguém. Até mesmo o passado pode mudar e não vai ser você ou eu que o fará.
Boneca de lata, eu não faço a mínima ideia do que eu sinto por você.
Mãe, eu não sei se eu te amo. 
Anderson, eu não sei quem é você, mas lave o seu cabelo, feche a boca para ver se para de falar asneiras, veja onde põe sua língua e tire esse sorriso do rosto.
Você não faz a mínima ideia do que faz! E esse é o seu maior erro