domingo, 5 de maio de 2013

Praia do Silêncio


Nada é mais belo que o silêncio. É no silêncio onde se confrontam a lâmina que tudo corta com o escudo que tudo defende. No silêncio tudo flutua e tudo está; tudo se expõe, se revela, se execra... no mais humilde silêncio... Ah, no mais repleto silêncio as horas são tão largas! E assim o tudo está no nada.
Nada consegue se mais profundo, misterioso e concomitantemente revelador que o silêncio. É no silêncio que são proferidas as coisas mais belas. É no silêncio que são repartidas as maiores esquinas, as maiores esquivas! Só o que é maravilha acerta o silêncio.
Mas há de se atentar que o silêncio é profano, intempestivamente profano. Posto que é no silêncio que tudo se revela, onde tudo paira. É assim que se percebe que o nada é muita coisa e que nada é muita coisa.
Responda-me, mas me responda no mais absoluto silêncio: Que pensas tu, que dirás tu de teu espetáculo? De minha parte, de todos os espetáculos, o espetáculo de mim mesmo é o que mais me repugna, pois se derrete na palavra, apesar de gritar no silêncio. Tudo que falo definha na palavra e se expande esplendorosamente no silêncio... O silêncio nos engole, mas a palavra nos estupra, mais que isso, a palavra nos aborta. 
Porém... Porém...
Porém, que seria do silêncio sem a palavra? Aquela que vem e rasga a imensidão do sentido, aquela que vem e dá nome, aquela que vem e rapta os meandros do que flutua fora do nome...? Além do mais, a palavra nem sempre fala, às vezes escorre, derrama... 
A palavra que irrompe do silêncio assina um atestado de óbito, dar nome é o mesmo que assassinar. Posto isso, consideremo-nos assassinos da imensidão, assassinos das musas, ó belas musas. A música é feita de silêncios, de maneira que é do silêncio que se faz canção, que se faz poesia, não se faz poesia sem o silêncio: “eu não sou um poeta, eu sou um poema” porque é o silêncio que escreve em mim. 
A palavra balbucia, mas só balbucia quando é barrada pelo silêncio. E que seria da oração sem o verbo? O verbo que faz a carne, o verno que nomeia a ação, que a promulga. O verbo é o silêncio que dá margem ao barulho, que precede a palavra. O mundo inteiro cabe no silêncio que precede o medo, no “silêncio que precede o esporro”. E é neste instante que se passa uma vida inteira, no silêncio de todas as coisas. No princípio era o silêncio, agora é a dor; “nascer pode ser uma passagem violenta”.
Diante disto, o que então definiria o silêncio? No sentido de dar fim, um cruel ponto final daria fim ao barulho e precederia um novo silêncio. Já as reticências são um bom exemplo da cíclica silenciosa, tão privadas de sentido quanto o mais glorioso silêncio, mas violadas terrivelmente pela palavra que teima em tentar calar a inquietude e imensidão do silêncio, tenta dar fim à beleza, um embate incrível.
É notório que as reticências inquietam e muitas vezes conclamam a angústia e, sobretudo, o medo, sobretudo, a felicidade, posto que a felicidade não diz respeito ao homem, não diz respeito ao ser, não é bem que se deseje.
Mas reitero: nada é mais cruel que um ponto final. Nada difama mais que a palavra, a palavra é tão brutal, mas ao mesmo tempo tão essencial. Entretanto, o silêncio também é maléfico, mas somente quando é palavra, isto é um silêncio falso, pois que o silêncio também possui esta faceta.
Então, que seria a vida senão um mar de silêncio em uma praia de reticências, onde os pontos finais são as ondas, os parênteses nossos amores e as vírgulas nossos amantes, coisas?
Enfim, o silêncio é tudo e é nada ao mesmo tempo e tão somente por isso é belo, de infindável beleza, de inefável pureza, de insustentável leveza...