quarta-feira, 12 de junho de 2013

Bom Dia




Nada melhor do que acordar quase de madrugada pela manhã com os primeiros e tímidos raios de sol deixando tudo amarelo e quente como seu corpo febril inflamado pela moléstia e levantar-se sentindo mais uma vez uma espinha doída nas costas que te impede de deitar-se como de costume. Ir dar uma mijada quente em comum numa festa de espuma solitária que de tão quente promove um aumento da temperatura do banheiro frio de cerâmica, dar três tossidas doídas e três escarradas daquele resto de fagocitose verde com marrom que arde ao seguir o caminho até o lado de fora na pia. Um gosto amargo na boca que entra pela garganta doída através da saliva que teima em descer e ao olhar aqueles pedaços de resto pastosos na pia imaginar que saíram de dentro de você e tristemente abrir a torneira que leva embora com a jorrada de água seus pedacinhos de lixo sabe-se lá pra onde. Após isso, caminhar dificultosamente até a cozinha com o choque térmico dos pés descalços no chão frio e quebrar o jejum com uma pílula revestida acompanhada de água e dizer “bom dia, estômago”. Voltar pra cama, atravessando o pequeno apartamento sem móveis e desvencilhando-se das caixas de papelão cheias de livros, deixando a garrafa do lado de fora da geladeira, e deitar-se mais uma vez quente e de lado porque ao se deitar de costas a espinha incomoda mais uma vez. De repente passa pela cabeça doída e ainda um pouco febril a lembrança “ah, hoje é dia dos namorados”, mais uma data que não representa nada, mas que você gostaria de comemorá-la com ela aqui do lado pra fazer um café e um carinho. Você olha pro lado e vê, perto da caneca, dada por ela, suja de cappuccino que você fez pra ela no dia anterior, um porta-retratos feito por ela mesma com uma foto dela que tem escrito atrás uma letra de uma música de uma banda que você não gosta, mas que ela adora e que por isso você sempre ouve para lembrar-se dela e recorda de 2 anos. Uma lágrima absurdamente quente cai pelo canto direito do olho seguida de várias outras, a febre passa, o sol enfim surge altivo e o estômago dói. Um bom dia, rouco e doído, ouvido por ninguém sai pela boca, vindo das entranhas.


quarta-feira, 5 de junho de 2013

Depois da Poesia e do Sexo, ou Lamentações


Eu quero uma máquina de escrever e um caderno sem pautas, além disso um disco de músicas francesas tocando ao pé do ouvido, cachaça, de preferência Sapupara, e cigarros Derby. Sim, apenas isso. Porém, me dói imensamente saber que isso não seria nada suficiente, mas por ora seria o suportável, pois todo o resto das coisas, eu já não suporto mais. Falta-me a alegria para entregar seja lá o que for, falta-me algo que não faço nem a mínima ideia do que seja e o sentimento que tenho por tudo é uma imensa repugnância. Isso vem se arrastando em meus pés desde a infância. Há uma espécie de asco do mundo e das coisas que me faz vomitar existencialmente todas as vezes que passo em frente a espelhos cotidianos. É muito melhor contemplar o vazio do nada que o vazio da existência, é muito menos doloroso até. Não é que viver doa, apenas dói demais.

O que mais me dói é não poder fazer nada, dividido entre as razões. Pois que então listo o que deixo pra vocês: à minha mãe, deixo minhas dívidas; à meu pai, deixo as orações que não orei e minha identidade militar; à minha mulher deixo meu último jorro de sêmen e nossos filhos, que eles sejam o que se talvez sejam e não o que seriam; aos meus amigos deixo minhas dúvidas não vividas; às minhas amigas deixo minhas fétidas escoriações do coração; aos meus professores e professoras deixo minhas páginas de currículo acadêmico; aos colegas de trabalho deixo mais uma pilha de trabalhos por fazer e o sentimento que todos terão a, quem sabe, notar a falta de alguém na sala; aos governantes deixo os impostos que paguei, façam bom uso e à todo o resto das pessoas deixo minhas lágrimas não derramadas, absorvidas em um sofrimento inconjuro, pois "o universo não é uma ideia minha", tais lágrimas foram sorvidas pela angústia e desespero de beijos impossíveis.

A fumaça entrará em nossos pulmões e nos levará para um muro suado, impregnado de sangue. Não desejo mais respirar esse ar imundo onde todo mundo cospe e engole saliva, que coisa mais imunda! Isso tudo é podre e eu já cansei de também o ser, estou fedendo e meus dedos cheiram a queimaduras. Em minhas veias circulam substâncias metálicas e sinto que meu sangue está congelado dentro das veias quebradas. Minhas entranhas exalam um odor nocivo que mata insetos e ardem insuportavelmente, meus olhos cegam-se com a luz e me sinto invadido pelo ar soprado, minha pele derrete queimando minha carne e meus músculos dissolvem como se fossem areia ao vento. Todas essas sensações são insuportáveis, mas o que mais me dói é justamente não poder fazer nada para sustentar a relação de amor com os outros seres, não poder fazer nada.

Não há nada mais doído que uma ferida na sola do pé que sangra e o prurido vem direto do coração. Sobre isso, a única coisa que me alivia um pouco é dar pra um cachorro de rua qualquer, doente como eu, lamber. Sinto uma mágoa por meus filhos e filhas tremenda e minha mulher que morrerá em meu leito e certamente não conseguirá limpar a sujeira que deixarei. Bom, na verdade ela nunca conseguiu limpar minhas lágrimas de seu rosto quando eu a fiz sofrer por tantas, tantas vezes. Quase sempre uma lágrima como essa que borra minha letra é a única palavra verdadeira que se pode dizer. Ninguém entende, ninguém pensa.

E o que eu faria? O que você faria? Se tivéssemos que culpar uns aos outros, você diria que eu estive errado por este tempo inteiro? Bom, eu não consigo esquecer e suportar e o instante em que a porta bateu enquanto sua silhueta sumia no horizonte foi o momento em que eu morri de fato, parece que foi ontem que vi seu rosto pela última vez, você é tão linda. Deus! Isso dói demais, eu faria de tudo para acordar com a sua voz ao meu ouvido novamente, apenas mais uma vez, te dar um beijo e te chamar de amor. O que aconteceu? É muito difícil dizer adeus, mas eu preciso que você me ajude a entender, que seja orgulhosa de quem eu sou, que tenha orgulho de quem nós fomos ao olhar pra trás e não nos culpe por tudo, não divida a culpa entre nós, isso me deixe carregar sozinho.


Há uma foto que eu guardo embaixo da cama e a olho todos os dias quando acordo, você nem sabe da existência dela, eu tirei quando ainda nem nos conhecíamos, ao longe, eu te olhava e sabia já naquele instante que você seria a mulher da minha vida. A deixarei no bolso esquerdo da minha camisa, por favor veja. Eu perdi a cabeça... Todas essas merdas que eu sempre falei... Por que você me deixou? E o que é isso? Eu vou começar a correr de tudo que eu sempre imaginei ter, que eu sempre imaginei ser, tudo que eu sempre pensei e de que me orgulhei, esse é o último minuto de minha vida e tudo que eu queria é que você estivesse aqui para me abraçar, talvez segurar minha mão...
Desculpa pela sujeira, obrigado por tudo, eu amo você.