quarta-feira, 5 de junho de 2013

Depois da Poesia e do Sexo, ou Lamentações


Eu quero uma máquina de escrever e um caderno sem pautas, além disso um disco de músicas francesas tocando ao pé do ouvido, cachaça, de preferência Sapupara, e cigarros Derby. Sim, apenas isso. Porém, me dói imensamente saber que isso não seria nada suficiente, mas por ora seria o suportável, pois todo o resto das coisas, eu já não suporto mais. Falta-me a alegria para entregar seja lá o que for, falta-me algo que não faço nem a mínima ideia do que seja e o sentimento que tenho por tudo é uma imensa repugnância. Isso vem se arrastando em meus pés desde a infância. Há uma espécie de asco do mundo e das coisas que me faz vomitar existencialmente todas as vezes que passo em frente a espelhos cotidianos. É muito melhor contemplar o vazio do nada que o vazio da existência, é muito menos doloroso até. Não é que viver doa, apenas dói demais.

O que mais me dói é não poder fazer nada, dividido entre as razões. Pois que então listo o que deixo pra vocês: à minha mãe, deixo minhas dívidas; à meu pai, deixo as orações que não orei e minha identidade militar; à minha mulher deixo meu último jorro de sêmen e nossos filhos, que eles sejam o que se talvez sejam e não o que seriam; aos meus amigos deixo minhas dúvidas não vividas; às minhas amigas deixo minhas fétidas escoriações do coração; aos meus professores e professoras deixo minhas páginas de currículo acadêmico; aos colegas de trabalho deixo mais uma pilha de trabalhos por fazer e o sentimento que todos terão a, quem sabe, notar a falta de alguém na sala; aos governantes deixo os impostos que paguei, façam bom uso e à todo o resto das pessoas deixo minhas lágrimas não derramadas, absorvidas em um sofrimento inconjuro, pois "o universo não é uma ideia minha", tais lágrimas foram sorvidas pela angústia e desespero de beijos impossíveis.

A fumaça entrará em nossos pulmões e nos levará para um muro suado, impregnado de sangue. Não desejo mais respirar esse ar imundo onde todo mundo cospe e engole saliva, que coisa mais imunda! Isso tudo é podre e eu já cansei de também o ser, estou fedendo e meus dedos cheiram a queimaduras. Em minhas veias circulam substâncias metálicas e sinto que meu sangue está congelado dentro das veias quebradas. Minhas entranhas exalam um odor nocivo que mata insetos e ardem insuportavelmente, meus olhos cegam-se com a luz e me sinto invadido pelo ar soprado, minha pele derrete queimando minha carne e meus músculos dissolvem como se fossem areia ao vento. Todas essas sensações são insuportáveis, mas o que mais me dói é justamente não poder fazer nada para sustentar a relação de amor com os outros seres, não poder fazer nada.

Não há nada mais doído que uma ferida na sola do pé que sangra e o prurido vem direto do coração. Sobre isso, a única coisa que me alivia um pouco é dar pra um cachorro de rua qualquer, doente como eu, lamber. Sinto uma mágoa por meus filhos e filhas tremenda e minha mulher que morrerá em meu leito e certamente não conseguirá limpar a sujeira que deixarei. Bom, na verdade ela nunca conseguiu limpar minhas lágrimas de seu rosto quando eu a fiz sofrer por tantas, tantas vezes. Quase sempre uma lágrima como essa que borra minha letra é a única palavra verdadeira que se pode dizer. Ninguém entende, ninguém pensa.

E o que eu faria? O que você faria? Se tivéssemos que culpar uns aos outros, você diria que eu estive errado por este tempo inteiro? Bom, eu não consigo esquecer e suportar e o instante em que a porta bateu enquanto sua silhueta sumia no horizonte foi o momento em que eu morri de fato, parece que foi ontem que vi seu rosto pela última vez, você é tão linda. Deus! Isso dói demais, eu faria de tudo para acordar com a sua voz ao meu ouvido novamente, apenas mais uma vez, te dar um beijo e te chamar de amor. O que aconteceu? É muito difícil dizer adeus, mas eu preciso que você me ajude a entender, que seja orgulhosa de quem eu sou, que tenha orgulho de quem nós fomos ao olhar pra trás e não nos culpe por tudo, não divida a culpa entre nós, isso me deixe carregar sozinho.


Há uma foto que eu guardo embaixo da cama e a olho todos os dias quando acordo, você nem sabe da existência dela, eu tirei quando ainda nem nos conhecíamos, ao longe, eu te olhava e sabia já naquele instante que você seria a mulher da minha vida. A deixarei no bolso esquerdo da minha camisa, por favor veja. Eu perdi a cabeça... Todas essas merdas que eu sempre falei... Por que você me deixou? E o que é isso? Eu vou começar a correr de tudo que eu sempre imaginei ter, que eu sempre imaginei ser, tudo que eu sempre pensei e de que me orgulhei, esse é o último minuto de minha vida e tudo que eu queria é que você estivesse aqui para me abraçar, talvez segurar minha mão...
Desculpa pela sujeira, obrigado por tudo, eu amo você.

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