terça-feira, 7 de abril de 2015

Considerações acerca da beleza da vida e da existência

Eu nunca me sinto feliz, mas até parecia que eu não estava no inferno astral ou qualquer coisa dessas, meu aniversário é daqui uns dias.
Hoje, enquanto voltava do almoço sozinho pelas ruas vazias e largas do meu bairro, uma lagartixa gordinha (talvez prenhe) me acompanhava pela calçada vizinha da minha casa, apesar de não se movimentar muito rápido era suficientemente ligeira para acompanhar o humano superior que caminhava relativamente a passos largos.
Avisto no portão de minha casa um gato dormindo na sombra, fugindo do calor insuportável dessa segunda-feira de sol e lua grandes demais.
A lagartixa dobrou em direção ao portão e deu de cara com a parede, pulou duas vezes para cima no canto do portão até ser abocanhada pelo gato recém acordado. Ele a apanhou com uma pata e a trouxe para a boca em um movimento rápido. A abocanhou pelas costas, ela ainda se mexia, mas ele com a outra pata segurou forte sua cabeça e vi um de seus olhos serem perfurados, já não se movia mais. 
Permaneci imóvel durante aqueles quase cinco segundos. "Esse gato infeliz não vai sequer sair da frente pra eu entrar?! Vai comer a desgraça dessa lagartixa aqui na minha porta, na minha frente?!"
Sim, ele ficou lá, abri o portão, passei por cima dele e entrei. Ao terminar de subir as escadas as costumeiras borboletas secas que morrem tentando atravessar as telhas transparentes que existem em cima da minha escada. Me lembrando que eu também morro todos os dias, igual a elas. Desde que vim morar aqui há dois anos não consigo mais gostar de borboletas, para mim todas são horrorosas, tanto de longe como de perto.
Eu nunca me sinto feliz, mas nas últimas semanas me sentia assim.
Em Genealogia da Moral, Nietzsche fala que a fofoca talvez seja o aspecto fundamental da evolução humana. Enquanto os animais mais fortes lutavam entre si na disputa pelo poder os mais fracos escondiam-se e lutavam com os outros falando mal uns dos outros e assim, caso não fossem encontrados e massacrados pelos crueis mais fortes, sobreviveriam. Os mais fortes morriam quase todos brigando, os mais fracos fisicamente seguiram suas linhagens fofocando.
Ora, eram presas tão ridículas que sequer eram procurados pelos briguentos, pelos que batem e, por conseguinte, matam.
Isso insere aspectos fundamentais na teoria da evolução, no racionalismo, no antropocentrismo, na morte de Deus e em muitos outros ismos, não cabe sequer escrever do que se trata.
Hoje fiquei sabendo de fofocas a meu respeito, um brinde à fofoca! Enquanto fofocavam sobre mim eu estava bêbado em algum lugar serrano desse estado, tirando foto da minha bunda, olhando a lua e a vegetação, ouvindo os pássaros cantarem, sentindo cheiro de mato, ouvindo Sérgio Sampaio invadir a minha casa e mexer nas minhas coisas.
Eu estava feliz, estava vivendo, estava indo, sabendo que não posso garantir nada a não ser as únicas duas garantias da vida: o sofrimento e a finitude. Mas na boca dos fofoqueiros se garantia muita coisa a meu respeito, inclusive que eu não presto pra nada, que não tenho escrúpulos, que eu faço sofrer, que eu sou perigoso e que eu faço muitas coisas horríveis.
Pensei enquanto arquejava um resto de cigarros e cheguei à seguinte conclusão:
Eu sou um imoral. Um apêndice da morte na vida cristã burguesa ocidental ( e essas besteiras todas). Eu sou quase um doente. Sem nosografia, sem tratamento, sem terapêutica. Eu vim do inferno e não vou a lugar nenhum. Minha maldição que era só minha se espalhou pelas línguas que sequer passaram em minha boca. Eu fofoco, eu brigo, eu massacro os mais fracos do que eu, eu sou a lagartixa desorientada e atormentada pelo calor que cai nas garras do animal hábil. Eu sou desengonçado. Eu sou muito doido. Mas eu não sou porra nenhuma. Eu só queria não precisar levar nome de nada, só viver e fim, que me deixassem morrer em paz. 
Tudo o que eu faço é só por amor, por isso eu crio o meu sofrimento para melhor passar. Não me interessa o dinheiro, nem a profissão, nem o mercado de trabalho, o leite vencido na geladeira, o pão vencido na mesa. Não me interessa nada. Só me interessa fofocar a respeito de mim mesmo, quem ainda puder que se afaste enquanto há tempo. Eu não tenho nada, eu só existo. Na verdade nem isso. Ninguém sabe de nada, nem eu, nem vocês, nem quem lê, nem quem escreve e me rouba a vida. Tá tudo arruinado: ainda bem!
Obrigado, fofoqueiros, um brinde à vida, um brinde à essa sucessão de merdas, um brinde à alegria, aos meus dentes amarelos, à fome, ao vício!

* Dedicado a todos os amigos assassinados por mim, eu nunca amei nenhum de vocês, eu minto. Inclusive, estou mentindo agora mesmo.