— Nossa, quanto tempo! — disse, forçando um sorriso no canto direito da boca.
— Não seja bobo, nem faz tanto tempo assim. — disse, sorrindo de volta sem forçar.
Na mão direita o cigarro de sempre, “pelo menos não tá na boca”, pensou consigo.
O restante das pessoas que estavam sentadas ao redor antes de avistarem-lhes não se aproximaram, fingiram não se importar e viraram as costas. Ao longe, vez ou outra, observavam rapidamente.
Sem se levantar, estende os braços e recebe um abraço. Também sem se levantar, mas permanecendo imóvel, recebe um beijo suave. Em seguida um trago.
Fazia quase que exatos oito meses que não se viam. Após o momento, ao descer as escadas naquela tarde de domingo e ir embora, virando as costas para a porta, nunca mais procurou manter contato. O que aconteceu da mesma maneira da outra parte. Havia ficado um vazio, que emanava no assobio do que seria o amor sem tragédia, nem sequer pensava sobre o que proferia nos lábios. Pensamentos soltos.
— Você não ligou, nunca mais apareceu.
— Você também não.
Risadas que não tinham graça nenhuma, mas eram sonoras.
Aquele olhar que fingia se perder no horizonte, o que costumam chamar de blasé. Ridículo, não havia horizonte nenhum ali. Aqueles olhos falavam demais e fazia tal olhar porque queria esconder muitas coisas. Da outra parte, os olhos brilhavam sem nenhuma timidez, quase saltavam no seu corpo pequeno e magro. A boca semiaberta observava aquelas mão pequenas. Quem olhasse saberia que aquela boca desejava o toque suave daqueles dedos, o calor distante daquele corpo frágil.
— Mas, e então, vai fazer alguma coisa depois daqui?
— Eu não sei... mas não me interesso em saber. Quem sabe, se aparecer algo.
— Vamos sair daqui e ir lá pra casa. Podemos conversar melhor.
— Eu não tô a fim de conversar... mas eu vou.
A fingida indiferença já começava a incomodar, justamente porque era fingida e, mais que isso, óbvia. Já estava chegando a doer. Contudo, havia naqueles olhos certo peso que causava medo, mas que, também, causava vontade de beijar, fazer um carinho, envolver o pequeno corpo nos braços, o pequeno corpo que não largava o cigarro.
Não se despedem de ninguém.
Apanharam um táxi e seguiram em direção ao Bairro de Fátima. Acendeu um cigarro.
— Leva a mal não, mas você poderia apagar? Não gosto que fumem no meu táxi. — retrucou o taxista, um homem forte, feições rígidas, aparentava ter seus quarenta e tantos anos.
Abre a janela e joga fora o cigarro que cai em uma poça, apagando-se. Solta a última baforada ali mesmo enquanto olha pela janela a pouca vegetação da cidade e todos aqueles carros estacionados nas beiradas das ruas.
A mão encosta e segura forte. O olhar não desvia da janela. Era notória a disparidade da ternura do olhar feliz com o reencontro e do que simulava a indiferença, sendo que esse último mais parecia querer gritar sonoramente, chorar alto.
Não trocaram sequer uma palavra. Ao saltarem do táxi e aproximarem-se do portão do prédio uma rápida, mas terna, troca de beijos. Um gemido de saudades. Os olhares se pousaram rapidamente pela primeira vez a noite inteira, pela primeira vez depois de meses. A diferença de olhar dos dois era nítida. Ninguém poderia dizer o que de fato estavam desejando ali, mas ninguém, também, se interessava em saber.
Ao entrarem no apartamento viu alguns móveis trocados de lugar. Enquanto o outro lhe abraçava por trás e beijava ternamente sua nuca reparava nas coisas semelhantes pelo chão. Poderia jurar que era a segunda-feira daquele dia de sol em março. Acendeu um cigarro e fumou enquanto recebia as carícias e gemia devagar. Abria e fechava os olhos sofregamente em períodos lentos. A noite era fria e a meia luz era rasgada pelo calor das cinzas queimando. Quando o cigarro acaba os movimentos enfim ganham mais altivez.
— Eu não vou engolir, goza na minha cara.
E gozou, broxado. Gotas que escorriam do pau flácido e manchavam o lençol. Na expressão certa raiva que era respondida com o olhar de quem se pergunta “qual o problema com você?”.
— Você fez de propósito.
— Pensei que também gostasse das coisas pela metade.
— Eu não sei nem o que falar, só foi... inesperado.
— Relaxa, ainda temos tempo. O que são oito meses?
— Eu tô relaxado. Mais do que eu gostaria.
— Bom, isso não tem a ver comigo.
(...)
— Se serve de justificativa e se não se importa, o único gosto que eu quero na minha boca há tempos é o de Marlboro vermelho.
O amor e a tragédia. Quem falou em amor? Estamos falando de teatro e coisas pela metade que tem um fim. O tempo passou e ninguém morreu, e o silêncio continuou a gritar e ecoar através do mesmo tempo. A única coisa que apagou de verdade foi o cigarro, porque enfim as cinzas queimam sozinhas e lentas com o ar.
Naquela noite todos não só ejacularam como também gozaram. “Àquilo” ainda era uma incógnita, mas ninguém dormiu um minuto sequer. Conforme os raios de sol começavam a rasgar as frestas das cortinas e invadir o quarto a vontade de ficar aumentava.
— Geralmente eu me sinto solitário.
— Você não sabe do que tá falando.
— Dizer isso é muito cruel.
— Eu não retiro o que disse. — uma baforada.
— Bom, muitas vezes eu não tenho com quem conversar, parece que as pessoas somem.
— E o que você faz, então?
— Ah, ligo pra alguém, vou atrás de conversar.
— E as pessoas te atendem?
— Geralmente sim.
— Entendo... você é realmente muito ingênuo. Você não sabe do que fala.
— Me beija...
— Não, deixa eu terminar de falar. Na verdade, a solidão é procurar alguém e não ter nem a si mesmo pra conversar.
Silêncio. Olhares que não se cruzam. Cinzas que caem fora do cinzeiro.
— Agora acho que vou mesmo embora.
— Espera! Fica, a gente assiste um filme, tem comida.
— Não, eu realmente tenho que ir. Você ainda precisa aprender muitas coisas.
O pequeno corpo magrelo levanta e esgueira-se dentro das roupas recolhidas do chão.
— Quando vou te ver de novo?
— Eu não sei. Quem sabe? Talvez no dia em que você tiver solitário eu apareça aqui. Até lá, ninguém pode saber. — Droga, esqueci meu cigarro.
— Eu vou lá pegar pra você.
— Não precisa.
Naquele beijo havia um adeus. Mas não passava disso.