domingo, 30 de novembro de 2014

(Re)acostumar-se

"Depois de muito, muito tempo, a velha vontade volta. Na verdade, ela sempre acreditou que essa vontade tivesse permanecido adormecida em alguma parte do passado. Foi preciso que parte do passado, levasse com ele várias lágrimas e sussurros desesperados até que a vontade se manifestasse de novo. 
Dessa vez, diferente. A vontade é manifesta noite após noite, beijo após beijo em cada boca vã cujos lábios de cigana resolvem descansar. Aos poucos, a vontade vai se desprendendo, se dissipando feito névoa em mar revolto. Evaporando junto com as memórias, foram-se os afetos e permaneceram as despedidas. De cigana, permanecem os olhos e os lábios, leves; oblíquos na linha do horizonte. Atenta a qualquer mudança de maré.
A menina volta a girar, a pequena dança, até levantar vento por si mesma. Sem fim. Agora é que a história começa. Azul é a cor mais inconsequente. 
Ela crê nos encontros unidos pela vida, não foi à toa que foram parar naquela sessão, naquele filme, naquela boa sorte uma metáfora de vida. Não era sobre se apaixonar por quem está morrendo, mas era sobre criar laços, por menores que sejam, por quem partirá, em breve. Aquele mar leve que chegava até os seus joelhos, era o mesmo mar que meses antes a havia feito se afogar tantas vezes. O mar que batia nas pedras, molhava seus olhos de cigana, afogava as lágrimas de uma tempestade passada. 
A vontade se sobrepunha às despedidas, pela primeira vez em tanto tempo desencontrado. Naquelas pedras, muitos se foram e outros nem sequer chegaram. Cigana sentiu o sal do tempo no rosto, nos cabelos e o mar leve parecendo uma ampulheta. O tempo passava e ele permanecia ali, por horas revolto, por horas ameno. E, pela primeira vez em tanto tempo, a solidão fez morada.
Cigana, então, entendeu que partimos para algo novo todos os dias, que é preciso re.acostu.mar-se, pois a hora do encontro é também despedida. Naquela praia, naquela rua, muitos começos. Na mesma praia, na mesma rua, muitas partidas. Não era mais sobre não conseguir criar laços com ninguém, agora é sobre criar laços diferentes com pessoas que, a cada dia, partem um pouco mais.
Cada encontro é também despedida. Naquela boa sorte, uma metáfora da vida: os dois seguem, separados, semeando encontros e colhendo despedidas. E, pela primeira vez em muito tempo, a solidão a fez sentir completa. Sem fim.

“Gire, pequena cigana, que girar faz vento em você mesma”."



sábado, 29 de novembro de 2014

A Ciranda Acabou de Começar

Quando o mar se levanta junto com o corpo que repousa sobre ele, vem do outro lado as casas inundadas de areia, água e sal. O mesmo sal que desce dos meus olhos quando, neles, entra areia. 
A água batia em minhas costas e passava por debaixo de mim, alinhava as pedras, turvava a visão. Era noite e a lua se escondia. Assim como também se escondia o inverno nos dentes, nos sorrisos que mordem e deixam gosto de sangue no beijo.
Repousar a cabeça e acariciar a têmpora como quem pede desculpas e reluta na insistência por meio de uma descrença infundada, oxalá inventada. Assim foi por muitas vezes apenas duas. Dois eram muitas coisas.
Aquele mar pesava, batia nas pedras, me molhava e trazia no sal as lágrimas da outra cidade inundada pelo seu aterramento. Crianças andavam sobre aquelas águas constantemente. Bêbados o urinavam de instante em instante. Diabos se atiravam daquela ponte o tempo inteiro.
Foi noutro dia que se repousava sob um sol que se esvaía na linha do horizonte infinda e quente. No toque sobrepujado de tal maneira a deixar na mão apenas rápidos lábios.
Esqueço nossos nomes em cortinas e véus, olhos fechados em solidão. Silêncio que invade e transborda toda a palavra, todo o sexo, todo o mundo.
Todo mundo é mundo, toda gente é linda.
Naquele mar muitos se foram e outros tantos nunca sequer chegaram, quiçá ousaram respirar aquele cheiro. Um cheiro no cangote, jogo vadio de abrir corpo fechado. Que corpo fechado que nada, ela estava nua! 
E descabelada, e assanhada, os olhos fechavam com o toque de mãos aperreadas, torturadas, machucadas pelo tempo e pelo violão. 
A solidão invadia junto com o silêncio e o mar às vezes batia forte na lua vadia, escondida, dissimulada.
Noites adentro com o pulsar da escuridão roubada pelas luzes dos postes na Praia de Iracema. Anoitecia em cada sorriso naquela praia inventada. Adormecia em cada peito daqueles moribundos olhos que escarneciam na grama vomitada dos monumentos municipais.
Uma praia inventada, ou melhor estuprada.
Uma praia afogada, tarde demais para se importar porque não havia ninguém por lá além dos casais também inventados.
As fotografias que se parecem e que causam desconforto. Peitos que doem, que respiram fundo, arquejam a dor de um gozo subtraído no esquema que desliza entre uma boca e outra, entre uma língua e outra, acompanhado de cerveja, coquetel composto e cachaça.
Mas em outrora apenas o silêncio e os olhos, as bocas que murmuravam impropérios existenciais sob o sol que esvai adiante na falsa segurança de se estar sentado sobre o mar. De se estar em zona de conforto subalterno nos dentes de inverno, nas bocas de verão; longe do carnaval, muito perto do natal.
Você não sabe a diferença do que significa “todo o tempo” e “complicar a vida”. Apenas prováveis problemas que repousam sobre olhos que fecham fácil com o toque nos cabelos. Eu gostaria da noite, uma canção para o mar, repousar mar adentro e me afogar naqueles lábios. Adormecer naqueles olhos e me sentir quente com o corpo todo molhado, com o corpo nu e suado.
E foi assim que morri afogado meia dúzia de vezes.




terça-feira, 11 de novembro de 2014

Further Back

Um aborto ao léu, inconsequente. E uma bala passeava pelas ruas da cidade à procura de alguém perdido que quisesse se encontrar. Não foi uma morte instantânea e isso deu margem a uma eternidade de dor, mas não se pode dizer que era, ao mesmo tempo, sofrimento. Afinal, não, não era.
— Se algum dia eu te ver com outro arrancarei seus dedos para que nunca mais segure nas mãos de ninguém.
— Engraçado você dizer isso porque eu nunca arranquei seus olhos.
— Acho que eu poderia arrancar sua língua também.
— E assim o que restaria?
— Você tem sorte de ainda estar viva.
— Você tem sorte de eu nunca ter te machucado.
Para isso não havia resposta.
— Me ligue de vez em quando.
— É que ando muito ocupado.
— Tenho saudades, às vezes choro.
— ...
Para isso havia muito que falar, mas nenhum dos dois ousou.
A luz, o frio. 
No quarto, no móvel ao lado da cama, fotografias desbotadas pelo frio. Seu corpo ardera tantas vezes naquele colchão velho que já não sentia mais frio algum, nem mesmo quando os ossos tremiam ele ousava usar um cobertor. Permanecia nu e assim cruzava o apartamento inteiro, de um canto a outro. Entrava no banheiro, saía do banheiro. Abria a geladeira e tomava água direto da garrafa para as visitas. Por alguns segundos olhava o branco no vazio que só contrastava com uma cebola cortada pela metade, duas garrafas d’água e três ovos.
Por muitos anos levou a vida na luz negra da escuridão. Respirava sofregamente. Solitário, procurava por uma mão e não achava nenhuma a não ser a sua já tão velha e conhecida, calejada do violão e do ônibus.
No seu quarto entrava e saía gente estranha quase todos os dias. Muitos pés já subiram naquela escada, alguns nunca mais desceram de volta, mas não se sabem onde foram parar. Talvez absorvidos pelo tempo ou sugados pela energia que saía de seu peito. Crescia cada vez mais intensa, cada vez mais profunda, cada vez mais inóqua.
No ínterim do sacrifício de perdoar, às vezes se permitia ao sortilégio de soltar um grito agudo enquanto tomava banho.
Ela apareceu e levou seus amigos, havia calcinhas por todos os lados. Aqui e ali uma pintura no cinza das paredes. O chão do apartamento ainda era frio. A cama era quente como nunca, ardia em chamas, mas parecia mais o inferno. Nunca foi fácil pra nenhum dos dois.
— Você comeu a minha mãe?
— Que pergunta é essa?
— Só responda se sim ou não.
— Sim.
Uma corrida em disparada pelas ruas da cidade. Ainda correu atrás, não encontrou ninguém. Correr não era muito o seu forte. Pior ainda correr atrás de alguém.
— Sabe quantas vezes eu liguei pra você ontem?
— Eu já disse que perdi o celular. Eu não faço a mínima ideia.
— E o que é isso aí na sua mão?
— Uma mulher achou e me devolveu, mas alguém tirou a bateria.
— Sei.
— Ah, se você não acredita não posso fazer nada, é problema seu!
Nunca soube muito bem o motivo de ela ter simplesmente sumido assim. Só chegou em casa e não havia ninguém e assim foram se passando os dias, todo mundo de uma hora para outra foi sumindo. Além dela seus amigos também sumiram. Ela levara consigo os amigos que conheceu através dele. Nenhum era seu amigo de verdade, concluiu um dia com sua cachaça barata.
Passou certa vez por uma avenida e viu pixado “further back”. Adotou essa frase como sua, fazendo companhia ao live and let die. Odiava Beatles e, por conseguinte, Paul também. 
O estampido foi seco e atingiu na barriga. Quando sentiu, instantaneamente, levou as mãos ao sangue.
Havia saído de casa dizendo ir à procura dela e corria por um beco. Era madrugada. Sangue sintetizando álcool. Pela primeira vez corria atrás de alguém. Estava perdido, mas finalmente se encontrou.
As faces mudam, mas nada parece mudar a dor.
Ao amanhecer formigas por perto e insetos.

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Javé Salva, ou 7 de Novembro

 Recebi isto por encomenda no fim da tarde, era uma despedida de algo:


A mistura de sofrimento com solidão é o que chamam de sofreguidão. Quis mel, quis um corpo, quis um beijo, quis alma, quis coisas demais e tive tudo isso. Nem sempre se sabe dar e dificilmente se sabe lidar com o que se recebe e de fato se tem, porque “o homem que diz dou não dá, porque quem quer mesmo não diz (...) porque ninguém dar quando quer”.
Amanhã, se eu estiver vivo peço que queime isto, mas que nunca esqueça. 
Encontro-me deitado no chão feito uma folha seca e acaba de entrar uma esperança pela janela. Verde, contrasta com o cinza do piso, com o branco da minha alma e com o negro do meu coração. Que observação mais piegas.
Tenho um filho, você não sabe. Mas agora fique sabendo, se chama Rafael; mas poderia se chamar Caio, como você gostaria.
Javé disse certa vez que o cinema é algo divertido, ver; como o toque na nuca e nos cabelos.
Se essa rua não fosse minha porque aqui moro, eu mandava explodir inteira, comigo dentro de casa, ajoelhado no canto do quarto. Nu, no chão frio de cerâmica. Banhado pelas mentiras engolidas à força.
Perto demais, eu não te amo mais. Porque você não quis acreditar em mim. Não se justifica quando nem mesmo o nome verdadeiro se falou. Mas o que importa? Somente imbecis sabiam, nenhum deles era amado. Não é tão fácil compreender. A mulher muitas vezes é isso mesmo e não é culpa não serem forjadas no coração da simplicidade, não é fácil de lidar.
Apenas uma noite. É verdade, mas doeu e ficou pra sempre. É sobre mágoa, sobre covardia, sobre peso de uma culpa partilhada, sobre a dor não diluída em dois, mas sim exponenciada.
Javé Salva, a cena mais triste do mundo no dia 7 de novembro.

Mais

"Mais que toda a perpétua e vívida bênção de amar, dada a uma alma que chora em alegria e redenção, é meu amor que arde em chama quando ouve o teu nome e ascende à imensidão quando toca a tua pele em minha, quando sente teus lábios. 
Que perdure por toda a existência o que amo em você, e possamos repartir toda a dor e a felicidade que é amar você, enquanto eu puder simbolizar o que poderia ser isso.
Te amo."

terça-feira, 4 de novembro de 2014

Após o Momento II

— Nossa, quanto tempo! — disse, forçando um sorriso no canto direito da boca.
— Não seja bobo, nem faz tanto tempo assim. — disse, sorrindo de volta sem forçar.
Na mão direita o cigarro de sempre, “pelo menos não tá na boca”, pensou consigo.
O restante das pessoas que estavam sentadas ao redor antes de avistarem-lhes não se aproximaram, fingiram não se importar e viraram as costas. Ao longe, vez ou outra, observavam rapidamente.
Sem se levantar, estende os braços e recebe um abraço. Também sem se levantar, mas permanecendo imóvel, recebe um beijo suave. Em seguida um trago.
Fazia quase que exatos oito meses que não se viam. Após o momento, ao descer as escadas naquela tarde de domingo e ir embora, virando as costas para a porta, nunca mais procurou manter contato. O que aconteceu da mesma maneira da outra parte. Havia ficado um vazio, que emanava no assobio do que seria o amor sem tragédia, nem sequer pensava sobre o que proferia nos lábios. Pensamentos soltos.
— Você não ligou, nunca mais apareceu.
— Você também não.
Risadas que não tinham graça nenhuma, mas eram sonoras.
Aquele olhar que fingia se perder no horizonte, o que costumam chamar de blasé. Ridículo, não havia horizonte nenhum ali. Aqueles olhos falavam demais e fazia tal olhar porque queria esconder muitas coisas. Da outra parte, os olhos brilhavam sem nenhuma timidez, quase saltavam no seu corpo pequeno e magro. A boca semiaberta observava aquelas mão pequenas. Quem olhasse saberia que aquela boca desejava o toque suave daqueles dedos, o calor distante daquele corpo frágil.
— Mas, e então, vai fazer alguma coisa depois daqui?
— Eu não sei... mas não me interesso em saber. Quem sabe, se aparecer algo.
— Vamos sair daqui e ir lá pra casa. Podemos conversar melhor.
— Eu não tô a fim de conversar... mas eu vou.
A fingida indiferença já começava a incomodar, justamente porque era fingida e, mais que isso, óbvia. Já estava chegando a doer. Contudo, havia naqueles olhos certo peso que causava medo, mas que, também, causava vontade de beijar, fazer um carinho, envolver o pequeno corpo nos braços, o pequeno corpo que não largava o cigarro.
Não se despedem de ninguém.
Apanharam um táxi e seguiram em direção ao Bairro de Fátima. Acendeu um cigarro.
— Leva a mal não, mas você poderia apagar? Não gosto que fumem no meu táxi. — retrucou o taxista, um homem forte, feições rígidas, aparentava ter seus quarenta e tantos anos.
Abre a janela e joga fora o cigarro que cai em uma poça, apagando-se. Solta a última baforada ali mesmo enquanto olha pela janela a pouca vegetação da cidade e todos aqueles carros estacionados nas beiradas das ruas.
A mão encosta e segura forte. O olhar não desvia da janela. Era notória a disparidade da ternura do olhar feliz com o reencontro e do que simulava a indiferença, sendo que esse último mais parecia querer gritar sonoramente, chorar alto.
Não trocaram sequer uma palavra. Ao saltarem do táxi e aproximarem-se do portão do prédio uma rápida, mas terna, troca de beijos. Um gemido de saudades. Os olhares se pousaram rapidamente pela primeira vez a noite inteira, pela primeira vez depois de meses. A diferença de olhar dos dois era nítida. Ninguém poderia dizer o que de fato estavam desejando ali, mas ninguém, também, se interessava em saber.
Ao entrarem no apartamento viu alguns móveis trocados de lugar. Enquanto o outro lhe abraçava por trás e beijava ternamente sua nuca reparava nas coisas semelhantes pelo chão. Poderia jurar que era a segunda-feira daquele dia de sol em março. Acendeu um cigarro e fumou enquanto recebia as carícias e gemia devagar. Abria e fechava os olhos sofregamente em períodos lentos. A noite era fria e a meia luz era rasgada pelo calor das cinzas queimando. Quando o cigarro acaba os movimentos enfim ganham mais altivez.
— Eu não vou engolir, goza na minha cara.
E gozou, broxado. Gotas que escorriam do pau flácido e manchavam o lençol. Na expressão certa raiva que era respondida com o olhar de quem se pergunta “qual o problema com você?”.
— Você fez de propósito.
— Pensei que também gostasse das coisas pela metade.
— Eu não sei nem o que falar, só foi... inesperado.
— Relaxa, ainda temos tempo. O que são oito meses?
— Eu tô relaxado. Mais do que eu gostaria.
— Bom, isso não tem a ver comigo.
(...)
— Se serve de justificativa e se não se importa, o único gosto que eu quero na minha boca há tempos é o de Marlboro vermelho.
O amor e a tragédia. Quem falou em amor? Estamos falando de teatro e coisas pela metade que tem um fim. O tempo passou e ninguém morreu, e o silêncio continuou a gritar e ecoar através do mesmo tempo. A única coisa que apagou de verdade foi o cigarro, porque enfim as cinzas queimam sozinhas e lentas com o ar.
Naquela noite todos não só ejacularam como também gozaram. “Àquilo” ainda era uma incógnita, mas ninguém dormiu um minuto sequer. Conforme os raios de sol começavam a rasgar as frestas das cortinas e invadir o quarto a vontade de ficar aumentava.
— Geralmente eu me sinto solitário.
— Você não sabe do que tá falando.
— Dizer isso é muito cruel.
— Eu não retiro o que disse. — uma baforada.
— Bom, muitas vezes eu não tenho com quem conversar, parece que as pessoas somem.
— E o que você faz, então?
— Ah, ligo pra alguém, vou atrás de conversar.
— E as pessoas te atendem?
— Geralmente sim.
— Entendo... você é realmente muito ingênuo. Você não sabe do que fala.
— Me beija...
— Não, deixa eu terminar de falar. Na verdade, a solidão é procurar alguém e não ter nem a si mesmo pra conversar.
Silêncio. Olhares que não se cruzam. Cinzas que caem fora do cinzeiro.
— Agora acho que vou mesmo embora.
— Espera! Fica, a gente assiste um filme, tem comida.
— Não, eu realmente tenho que ir. Você ainda precisa aprender muitas coisas.
O pequeno corpo magrelo levanta e esgueira-se dentro das roupas recolhidas do chão.
— Quando vou te ver de novo?
— Eu não sei. Quem sabe? Talvez no dia em que você tiver solitário eu apareça aqui. Até lá, ninguém pode saber. — Droga, esqueci meu cigarro.
— Eu vou lá pegar pra você.
— Não precisa.
Naquele beijo havia um adeus. Mas não passava disso.

domingo, 2 de novembro de 2014

Canção Pra Te Matar



Quando você chegou encontrou a porta aberta
Abriu minha geladeira, ligou minha TV
Mas não foi na hora certa
Ocupou meu coração
Vasculhou minhas tristezas
Bagunçou a minha vida inteira
Isso não está certo...
Mas eu te amo
Quando dei por mim
Já estava tudo assim
Os meus amigos também eram seus
Os meus passos seguiam os teus
Vi sua escova de dentes junto à minha 
Não sabia mais nem onde era a minha cozinha
Não reconhecia o lixo do banheiro
Não me importava com suas calcinhas no chuveiro
Isso não está certo...
Mas eu te amo
Me esqueci de crescer
Me dei todo a você
Na ilusão da palavra amor, sem nem perceber
Sob a égide lírica da tua boca vermelha fiquei à mercê
Isso não está certo...
Mas eu te amo
E então você se foi
E eu virei um perdido
Levou tudo que eu tinha
Deixou só as baratas na cozinha
Mas, por favor, devolva os meus amigos...
E me dê de volta os meus livros
Os meus gritos, meus sonhos
Nossos filhos... que você abortou
O copo cheio de cerveja
A boca cheia de cigarros
A garganta com gosto de cachaça
Na foto ao lado da cama você sorria
Ah, eu não acho graça
Não, eu não achei graça
Porque isso não está certo
Mas eu te amo... como eu te amo
A barriga vazia, geladeira vazia
Na dispensa tudo podre, louça suja
E no forno um arroz de três dias
Só na cama tem folia
No meu quarto entra e sai gente estranha todo dia
Isso não está certo...
Porque eu te amo...
Tenho trinta e poucos anos...
Em que parte da vida esqueci dos meus planos?
Então volta
Traz de volta os teus defeitos
Diz que odeia esse sujeito
Quero saltar nos teus peitos
Vem com ele, eu aceito
Mas pelo amor de Deus aparece na minha porta...
Nem que seja morta
Isso não está certo...
Mas eu te amo