sábado, 10 de maio de 2014

Além da Criação


Costumava se masturbar durante a liturgia, mas era já um ritual de aceitação, não promulgava nenhum prazer, dirá sexual. O sinal de dedos em riste já desencadeava a cruz em uníssono no templo, enfim a igreja em cântico. Nestes momentos o sexo já dilatado se exauria com tamanha clemência do pai, quase um entregar-se hipnótico rogado na pureza do que se é belo, mas só o é porque também é feio. Não gemia uma oferta sequer, somente se concentrava em ajoelhar-se e quase que passivamente ouvir à espera da verdade, do verbo e do pão.
A verdade, então, se colocou entre as suas pernas e ela lá permaneceu, sentada e arreganhada, gozando com o badalar dos sinos, mas ao seu redor não havia olho, muito menos gente. Apesar de achar que lhe observavam ninguém o fazia, pois o único no local estava ocupado demais em lhe enfiar a língua e a boca, além do fato de ser um cego.
De olhos fechados não obedecia qualquer. Mas desses olhos escorriam líquidos, a maior parte do tempo quentes, como o líquido de outrora ao sair na perfuração de um peitoral suado, o qual o mundo inteiro olha sem a menor compaixão. O que seus olhos fechados não viam se tratava de opulência e regozijo dos detentores de todo o ouro e saber que lhe faziam gozar em espasmos, de olhos fechados.
O que enfim se desenrolou foi que a virgem permaneceu virgem, por isso, se sabe, impregnada na pureza de sua leucorreia litúrgica. Ao enfim se obter tal corrimento é hora da comunhão e se pôr em pé é essencial, mas há de ser levada. Uma vez, nua e lívida, posta em frente ao trono, sob a égide da lua já raiada e que clareava o recinto, as mãos a pegam pela cabeça frágil e a põe de joelhos ao chão frio e limpo. Um carinho na pele macia com dedos robustos que lhe acariciam os lábios por um lado quando eis que se atreve a levantar a cabeça e pior, os olhos! No exato momento, inerte nos segundos que se passaram, a mão poderosa, velha e sábia, a cobre novamente na face e segura forte sua cabeça, adentrando com os dedos os cabelos lisos. Em um movimento brusco surge à sua frente a espada enrugada e erguida, armada para a comunhão e remissão do pecado:
- Na boca não!
Silêncio.
Um grito irrompe a calmaria e perscruta o ato final que enlaçará e, sem dúvida, se fez indelével:
- Não vou engolir!
- Claro que vai! Em nome do pai... do filho e do espírito santo. – sussurra enfim a voz da verdade e da lua se faz luz que depois se faz trevas e novamente luz.
Um tapa na cara, de joelhos, e a hóstia enfim desce com sangue enquanto lhe fitam os olhos cegos em meio a face enrubescida, machucada com o enlace dos dedos de uma mão de punho forte. Olhar aqueles dentes furiosos dava mais prazer do que ver sua goela se remexendo e perceber que enfim engoliu, à força.
Em verdade vos foi dito que toda a sabedoria é mantida pela mão que melhor bate e não há caminho senão o dado, pois é o caminho, a verdade e a vida. E a vida, não é mais do que um segundo inerte na imensidão do tempo onde a lua, a qual nunca se move, está sempre à espreita dos atos de uma existência laica, não ao teo. E a beleza? A beleza foi deflorada, mas sempre será feiura.