quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Irreparável, ou Tratado Sobre Nada


Amanhece em meu temor o amarelo de uma incerteza doída
O pus de um tumor ungido na impureza, uma impureza desinibida
A linha fétida de uma certeza diluída
A escara perfeita de uma vida mal vivida

Nada daqui nada me interessa, pois fora de mim nada existe
E o nada insiste, e o nada incide, e o nada existe

O nada é irreparável, o nada é intraduzível
Além de mim, nada é indecifrável

O nada é irreparável, o nada é indizível
E o nada sorve meu amor
O nada é contemplável, além do nada, nada é compreensível
Como a andorinha, negra, límpida de preto no céu

O céu, condescendente, é minha luz
O nada, complacente, é minha carne
O véu é o meu ventre, absurdamente displicente...
Um aborto! Um aborto de nada!

Que estagna em meu seio o tudo de todas as coisas
Que explode em meu ser o pavor de tudo que é nada
Que rasga em minha mente a ferida de tudo que existe
Que escarnece em minh’alma o prurido do que existe no nada

O nada aqui se faz, mas nada aqui se paga
Sou toda opulência
Beleza...
De carne, carne morta, nervos estridentes
O nada aqui jaz, mas nada aqui se finca

Dor:
Dor lasciva de uma morte mal amada
Dor lasciva de um grito mal ouvido
Dor lasciva de um clamor mal invocado

Medo: 
De tudo que acontece quando não acontece nada
De tudo que se apaga quando não se acende nada
De tudo que escurece quando em meu peito paira... paira o nada

Vingança:
Mais ouvida que o silêncio que antecede o nada
Mais perdida que o não dito proferido ao não se encontrar o nada
Mais combatida que o grito do poeta!
Mais combatida que o grito do poeta ao contemplar...
Ao contemplar o nada!

Isso tudo, meu caro (mais caro que o preço de nada)
Não significa, absolutamente, nada
E somente por isso, sobretudo por isso, ó caro
Significa muita coisa

Significa tudo que existe, significa tudo que existe, significa tudo
Absolutamente, espantosamente, tudo, tão somente tudo
Tudo que não cabe no poema, tudo que não passa de nada
Tudo que quer ser alguma coisa, mas que literalmente, não passa de nada

Só passa mesmo do nada e do nada virá
Pois do nada vem o nada, e nada vem de nada
E apenas o nada se faz de alguma coisa, alguma coisa não se faz de nada
Pois o nada já é muita coisa e é esplendorosamente irreparável

Tão somente irreparável
Tiranicamente
Intempestivamente
Irreparável
E acima de tudo 
Existencialmente
Conflituosamente
Assustadoramente


I N S U S T E N T Á V E L


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