sábado, 26 de julho de 2014

Marion, ou Sobre Apaixonar-se Pela Tristeza e Desejar Cair do Céu

"Está acabado. Nem sequer uma temporada. Mais uma vez sem tempo para terminar algo. Esta noite será a última do meu velho número e é lua cheia. E a trapezista vai cambaleante... Quieta. Nunca imaginei que o adeus ao circo seria assim. Na noite passada ninguém apareceu e vocês se apresentaram como uns tolos... e eu voei pelo picadeiro como uma pobre galinha. E agora voltarei a ser garçonete. Merda. Momentos como aquele, como este de agora... serão uma bela memória dentro de 10 anos. O tempo curará tudo, mas e se o tempo for a doença? Como se às vezes tivéssemos de nos inclinar para continuar vivendo. Viver... Uma olhada é o bastante. O circo... Terei saudades. Engraçado, é o fim e não sinto nada. Devo parar de ter maus pensamentos. Como se a dor não tivesse passado. Tudo se acaba quando está apenas começando... começando a ser bom demais para ser verdade. Enfim fora, na cidade. Descobrir quem sou, quem me tornei. Na maior parte do tempo estou muito consciente para estar triste. Esperei uma eternidade para ouvir uma palavra amorosa, então viajei. Alguém que dissesse: "Te amo tanto hoje". Seria maravilhoso. Eu olho para cima e o mundo aparece diante dos meus olhos... e preenche meu coração. Quando criança queria viver numa ilha. Uma mulher sozinha, gloriosamente sozinha. Sim, é isso. Tudo tão vazio, incompatível. O vazio, o medo. O medo, o medo, o medo... O Medo! Como um pequeno animal perdido nos bosques. Quem é você? Já não sei mais. Mas disso sei: Não serei mais uma trapezista. Não devo chorar, as coisas são como são. Acontece, nem sempre como se deseja. O vazio, tamanho vazio... O quê devo fazer? Não mais pensar, apenas estar. Berlim... Aqui sou uma estranha, e ainda assim tudo é tão familiar. Você pode se perder que sempre vai parar no Muro. Espero por minha foto na máquina e ela vem com outro rosto. Este pode ser o início de uma estória... Os rostos... Gostaria de ver rostos. Talvez encontre emprego como garçonete... Esta noite me assusta. É bobo, mas o medo me faz sentir doente. Apenas parte de mim se preocupa a outra parte não acredita. Como devo viver? Talvez esta não seja a pergunta. Como devo pensar? Sei tão pouco. Talvez porque seja sempre só curiosa. Algumas vezes me equivoco pensando... porque penso como se estivesse falando com outra pessoa. Abro os olhos fechados, fecho os olhos de novo, então até as pedras criam vida. Estar com as cores. As cores. Luzes de neon no céu da noite, o metrô vermelho e amarelo. Desejando... Desejando. Só preciso estar preparada. Desejo uma onda de amor que me balance. É isto que me faz desastrada, a ausência de desejo. Desejo de amar... Desejo de amar."




Der Himmel über Berlin, 1987.
Wim Wenders.

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