terça-feira, 1 de julho de 2014

Amargo

O meu hálito doce não passa de diabetes, bem como meu sabor que já não é mais amargo: a poesia na verdade é doença.
A imagem que mais me encanta no momento é o desenho do fumo à minha frente e que impregna meu quarto e o cheiro que mais me agrada é do meu suor com as cinzas, além da lembrança dela, dela a mulher que eu amo.
Um cigarro barato, um fumo podre, há meses escondido em uma gaveta; uma música suave, a fumaça em meus olhos, queimando como o desejo em minhas veias.
Da primeira vez eu nunca quis e se fosse para escolher eu não escolheria nada. Adiar ou forçar um adeus não ajuda nas doenças que aparecem, cada vez mais frequentes. Há bolhas na minha língua que ardem e me impedem a alimentação. Elas, junto dos meus soluços e dores no peito, são as únicas coisas que sinto nesse momento.
Aqui na embalagem diz que é um produto tóxico junto da imagem de um homem estirado em um chão de cerâmica. Mas nada é mais tóxico do que isto, do que amar, do que viver, sobretudo quando não se sabe como ou o que fazer. Quantas vezes na minha vida não estive na mesma posição, nesse mesmo chão.
Já que você foi embora eu não tenho mais ninguém para dar um bom dia ao acordar. Então acordar pra quê? Só me levanto porque apesar de tudo tenho fome, mas só desperto porque o sol vem me beijar no meio da manhã, já quase tarde, através da janela transparente do pequeno apartamento. As cortinas agora estão sempre abertas. Um dia desses acordei de fome e quis ver o sol, mas tudo estava trancado. Senti vontade de rasgar as cortinas, mas não o fiz, adormeci no vaso e por lá fiquei até quase noite.
Um pouco de destilados e fermentados me acompanham diariamente e o cigarro nunca pode estar longe. O fumo podre vai continuar na gaveta, mas todos os dias sonho e alucino que contraí um câncer na boca. Acordo no meio da noite com gosto de sangue.
Procuro falar qualquer coisa e vago pelas ruas, me alimento com dificuldade por causa das dores, mas não consigo ficar com fome por muito tempo. Queria morrer de inanição. Observo as mulheres que atravessam a Avenida 13 de maio, respiro o ar do bairro universitário. Queria ir embora, preciso ir embora. Na verdade, eu não sei o que quero nem o que preciso.
Tive um dia ruim. Quando cheguei em casa não havia ninguém com quem eu pudesse falar sobre isso. Vi conhecidos nos lugares que eu fui, pensei em avisar, mas lembrei que não podia. Não há ninguém em casa para compartilhar tais coisas.
Eu sei que tem um espírito aqui por perto, me rondando. Não sei o que ele deseja e a ideia dele me observar nu andando e dormindo não me incomoda. Acho que ele não se importa. Aliás, não sei nem se é ele ou ela, apenas sinto. Pegando em meu ombro, nos meus cabelos, massageando meus pés. Talvez seja o fantasma dela, já que fui eu que a matei e terei que conviver com isso o resto da vida.
Minhas unhas não crescem e meu cabelo cai, a poeira só aumenta, os objetos sujos criam colônias de microorganismos. Nasceu uma planta dentro da geladeira. No meu peito não cabem mais folhas. Clamo para que deus me sacuda, polde a árvore, dê uma agitada. Eu não escolhi isso.
Cuspi no espelho, não gostei dos meus olhos. Em minha face não há mistério, segredo, certeza nem sentimento algum. Não me reconheço. Foi cruel, mas chega sempre o amanhã. Seria idiotice achar que o sol levanta-se todos os dias por mim. Ele nem sai do lugar na verdade. Geralmente na manhã seguinte tudo fica bem e é assim que acontece. Mas ao entardecer o crepúsculo traz novamente a solidão irrefletida nos cantos das paredes com as pequenas aranhas e suas teias cada vez maiores, uma em cada canto da casa, até no banheiro.
Projeto outras imagens e viajo até lá, minha mente voa e chega até elas. Não consigo lidar. Não houve pôr do sol quando ela se foi, só houve a noite diretamente e assim ficou. Eu a matei e criei um monstro, o chamei de amigo.
Em meus próprios lábios reside o meu desejo. A cevada industrializada que preenche meu estômago e irrita minha afta congela o meu torpor. O que será feito agora? Desisto de todas as imagens, invento um amor a fim de poder olhar o horizonte, fingir ser feliz. A fim de poder sonhar, a fim de poder andar de cabeça levemente erguida e ser possível que me sigam novamente.
Acho que minha língua vai cair. Aguardo o surgimento dos nódulos no pescoço. Levo um não e outro por parte da vida, mas um encontro em especial me encanta, me faz pôr espelhos no cotidiano.
As companhias são agradáveis, mas a vida não é. A vida dos outros sempre é melhor. Objetos velhos, palavras quaisquer arremessadas sem compromisso. Nunca observei tanto as coisas pequenas que estão por perto, mesmo as nojentas. E existem tantos objetos que não são meus. No lixo do banheiro havia muitas coisas usadas que não eram mais minhas.
Palavras curiosas. Ninguém para conversar. Desejo intempestivo. Música brasileira.
Fim do dia, espero não precisar acordar amanhã. Mas já tenho compromisso, problemas a resolver, obrigações a cumprir e enquanto isso a fome vai batendo na porta. Sem dinheiro, sem emprego, sem companheira. O teto que me resta tem os dias contados. Minha vida tem os dias contados.
Minha boca vai cair. Não tirem esse gosto amargo, apesar de doer muito, minha língua é a única coisa que ainda sinto. Pelo menos sinto gosto de sangue.
Dias não são contados, apenas se vão. Quem os inventou fomos nós, então não há do que reclamar.
Sigamos.

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