segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Leminski (?), um psicólogo empreendedor

Enquanto caminhava nua pelo pequeno apartamento pintado a cal um resto de comida esfriava no balcão da cozinha. Ninguém comeria mesmo: lixo de três semanas espalhados em sacolas de supermercado. Em um canto do quarto roupa suja amontoada, amassada, fedida e cheia de fluidos; ao menos abrigavam os escorpiões e as baratas à noite. 
Em cima das roupas um livro do Leminski que comprei por quinze reais completava o cenário. Ah, aquele bigode horroroso! Só consigo imaginar uma tomada de um curta universitário: o ângulo trêmulo pegando o livro laranja que quase brilha no escuro em cima das roupas e ao fundo a silhueta de uma mulher nua fumando encostada na janela, uma silhueta assim parecida com a dela, a mulher que eu amo, que fode comigo e que eu tenho profundo desejo de fazer filhos e filhas que devem ser gerados e geradas de uma transa com beijo de olhos abertos: uma bunda saliente, mas com um corpo não tão pequeno (sem tatuagens, por favor, universitários do Benfica!).
Tem uma letra de música que diz que lugar de poesia é na calçada e que um livro de poesia na gaveta não adianta nada. Mas que audácia! Eu culpo Sócrates, até porque depois da roda e do fogo o que não é espetáculo (quem disse essa frase maravilhosa foi um amigo meu, Sócrates é um grifo meu)?
No momento me vem a imagem de um beijo no cu rosado no meio da bunda morena seguido de uma lambida naquela boceta de dezessete anos toda melada de uma substância quase doce.
Isso me atrapalhou a escrita, esqueci completamente do que estava escrevendo porque parei uns minutos pra bater punheta e agora que gozei não tenho mais porque escrever.
Enfim, cá estou novamente depois de algumas horas. Acabo de ver um filme (Um Dia de Fúria) e levei uns três tiros, dois no peito direito e estou terminando de morrer ouvindo Sérgio Sampaio e bebendo o resto de carménère que ficou do sábado junto com a pia alheia quebrada.
Meus livros estão cheios de poeira, assim como eu e tudo nessa casa: a mesa do computador, o armário que ganhei e nunca instalei na parede da cozinha acima da pia, o ventilador que me dá alergia e o chão que de tão sujo faz lama quando saio com os pés molhados do banheiro.
Mas o que quero falar mesmo é que culpa tenho eu se depois de cinco anos de faculdade de Psicologia é incapaz a um ser humano saudável continuar com o peito em chamas? Mesmo que os olhos verdes dela me façam queimar eu me sinto um bêbado e é muito ruim sentir-se bêbado se você está sóbrio. 
Semana passada minha orientadora chateou-se comigo porque eu disse que se for pra ganhar dinheiro eu prefiro vender coco e que ganhar dinheiro é muito fácil. Ontem eu fui a um show “gratuito” do Titãs que tinha uma área vip onde contei seis pessoas negras e o prefeito da cidade, cuspi neles durante Bichos Escrotos e cantei todos os versos esbravejando contra os cidadãos civilizados que me olhavam horrorizados. O que me levou a fazer isso? Na mesma semana fui a outro show gratuito e presenciei uma mulher louca fazendo tudo o que a esquerda universitária mais repudia. Eu ri de tudo porque estava engraçado sim e porque eu estava completamente bêbado. Ri também porque tinha uma mulher branca aparentemente rica ao meu lado e algo me levou a querer incomodá-la: 
— Me dá um gole da tua cerveja?
— Eu? — Cara de nojo.
— É, me dá?
— Ah, toma, pode terminar.
Bebi e reparti com os amigos e ela surge com outra, me dirijo ao amigo.
— Ela comprou outra, pede lá a ela de novo, bora encher o saco dela, quando ela comprar outra eu peço e depois tu de novo.
— Me dá um gole da tua cerveja?
Nesse momento eu me viro e aguardo a cerveja.
— Doido, ela me deu cinco conto pra comprar uma cerveja. Caralho, ela me pagou pra pra não incomodar ela!
Rimos bastante.
E o que diabos me levou a incomodá-la além do fato de ela ser loira, branca e parecer rica?
Mês passado vi três "grupos" PAGOS e caros sobre Foucault na cidade, eu queria saber que Foucault é esse que essas pessoas andam lendo (será mesmo que leem?) e usam pra ganhar dinheiro.
"A pessoa tem que ganhar seu dinheiro mesmo".
É, e acho que por isso mesmo eu tenho é medo desse povo, até mesmo minha terapeuta chateou-se comigo quando disse que psicologia empreendedora é ridículo e passou quase 10 minutos da sessão discutindo comigo sobre o assunto, aliás, meio que se defendendo, ela literalmente me interrompeu pra fazer um discurso, no que eu encerrei com um "você está sendo ridícula". Eu devo a ela mais de duzentos reais e no dia que fui decidido a encerrar o processo para conter gastos tive uma dor de barriga assim que cheguei ao consultório e assim que saí, o estrago no banheiro da clínica dela foi grande.
Daqui a alguns meses eu vou me formar, o primeiro da família e a mesma família que mal sabe do que se trata o que faço da vida. Saí de casa com dezesseis e vou me formar com vinte e dois. O que eu queria mesmo fazer era Filosofia e sempre quis ser professor.
Na faculdade tem um monte de gente branca fazendo pose de rica, eu me sinto em alguma esquete do Porta dos Fundos (que por sinal não tem a menor graça), pra todo lado que olho vejo um Gregorio Duvivier ambulante e pessoas mudando a vida de pessoas, fazendo o bem, fazendo a diferença, ou pelo menos achando que assim o fazem ou que são importantes na vida de alguém. Tenho muitos colegas especiais e que deixam legados para o curso, inclusive com textos e postagens nas redes sociais divulgando partes de seus TCCs sobre grandes assuntos da sociedade brasileira. Discutimos bastante sobre abordagens e sobre como ganhar dinheiro, como ser psicólogo, como ser uma boa pessoa.
Há mais ou menos um ano eu caguei bem atrás do bloco e assim que me formar pretendo defecar de novo, mas bem na frente do bloco. Representando muito bem a escola pública: o primeiro aluno egresso de escola pública estadual no curso inteiro junto com um colega de sala da mesma turma, isso depois de três anos de existência de curso. Foram necessários quatro vestibulares para entrarem dois. Discutimos muito semestre passado sobre como ganhar dinheiro e valorizar a profissão.
Tenho na ponta da língua uma tonelada de insultos fantasiados de argumentos filosóficos e epistemológicos sobre a conjuntura social brasileira e as teorias psicológicas. Eu posso discutir sobre qualquer assunto que envolva Psicologia e assim o faço, só me chateio porque durante cinco anos conto nos dedos de uma mão uma discussão que realmente se faça como tal, em que não se conduza de maneira a ser uma espécie de disputa, porque que surpresa, eu não me importo nem um pouco com isso! Mas infelizmente eu não sei conversar com playboy.
Eu sou o melhor psicólogo que conheço, mas nunca conheci nenhum que preste e temos aos montes: mais de uma dezena de faculdades de Psicologia na cidade de Fortaleza.
Puta que pariu! Faltam algumas semanas pro Estado me CONCEDER o direito de ser chamado de psicólogo. Puta que pariu! E um dia desses eu estava aprendendo a mexer uma massa, a como pegar em uma enxada, a como plantar e colher batata, milho e feijão, puxando água e tomando banho de cuia. Antes de entrar na faculdade eu só tinha conhecido mais ou menos uma dúzia de pessoas brancas e andado de carro apenas uma vez na vida e do nada todo mundo ao meu redor é branco e todo mundo tem carro. Que diabo é isso?!
É muito difícil encontrar alguém que entenda que quando se fala não se busca valor de nada, não se busca hierarquia, que saiba que é tipo fumar, experimentar o caos. A gente fala demais e eu gosto de falar, mas gosto sobretudo de ficar em silêncio e quieto pra não espantar os devires. E dificilmente encontro alguém que queira ficar em silêncio comigo. Ao meu redor tem muita gente feia e chata, o que não significa dizer que não gosto de suas companhias, mas sim, não faço questão, nunca fiz questão de estar ao lado de gente que não conheço e que não me conhece. É difícil conviver com estudantes de psicologia e em duas semanas a turma será fotografada para a placa: eu não vou, eu não tenho dinheiro pra isso, 350 reais é muito dinheiro.
Eu não quero ser psicólogo, eu não quero emprego, eu não quero trabalhar, eu não quero dinheiro, eu não quero o bem, eu não quero mudar nada, eu não quero ser importante na vida de ninguém, eu não quero deixar legado nenhum, eu não quero entrar pra história. Nada disso me interessa e Durango Kid continua existindo apenas no gibi: eu não quero me misturar com quem confunde potência com poder, só me interessa o silêncio das palavras que hesitam.
Mas isso não significa que eu não goste, apenas vejo isso tudo como consequências naturais de coisas que acontecem na vida das pessoas simplesmente por elas existirem. Se algo realmente me interessa é apenas ter um terreno suficientemente grande para comer o que eu mesmo plantar e que não haja barulho a não ser o meu e até isso é absurdo, como é que o chão é de alguém?!
Meus filhos serão playboys, eu sei que serei rico, que serei bem sucedido em qualquer coisa que eu fizer. Isso me causa angústia, mas vida que segue. Poderia dizer que gostaria que fosse assim tão fácil, mas eu não gostaria. Eu não entendo nada do que vocês falam, exatamente porque agora sou como vocês, até um diploma eu vou ter no final do ano. Eu tenho sogra, sogro, companheira de olhos verdes filha de pais separados que estudou a vida inteira em escola particular cheia de cartazes e ela é uma pessoa maravilhosa, vejam só. Aliás, eu não tenho nada disso, mas isso me ensinou até a gostar de ter família! Mas que ingrata surpresa, porque eu continuo sem entender nada do que vocês dizem!
Aquele bigode horroroso do Leminski, aquele bigode horroroso do Nietzsche, aquele bigode horroroso do Belchior. Eu queria também ter um bigode, mas nem barba eu tenho. Eu tenho uma cara de índio e eu acho massa: eu não pareço com absolutamente ninguém ao meu redor, eu não pareço com vocês!
E se eu escrevo é com sangue e nada além disso, eu como arroz com farinha e gosto; eu cuspo sangue e quando eu beijo é só com sangue e esperma próprio, eu sei do gosto do meu pau, do meu cu e do meu sêmen, mas eu não sei do gosto de um psicólogo, mesmo que este seja servido em fatias.
Isso só saiu porque as segundas-feiras são feriados para mim, mesmo que eu tenha uma reunião obrigatória ao meio dia. Eu nunca fui a nenhuma, ninguém me consultou acerca disso e eu tenho um currículo lattes bem gordinho, sei um monte de coisas e sou um cara chato, mas eu não quero nenhum dos seus holofotes.
Quando eu era criança tinha medo de vírus. Minha mãe deixava de comprar comida pra gente pra me comprar enciclopédias daquelas que vendem em bancas de revista e lápis faber castell. Com uns treze anos eu me dei conta disso e chorei. Eu não gosto de passar nas sessões de material escolar nos supermercados e lojas de departamento, eu não gosto de ter cadernos nem de escrever nada, eu gosto de ler, bastante, inclusive.
A maioria dos dias eu vou à faculdade somente para almoçar, quando saio das aulas sinto-me burro. Às vezes vou sem nem tomar banho, com o cabelo preso e não falo com ninguém.
— Valha, tu passa e nem fala aqui e vem sem tomar banho. — Risos.
Eu não respondi nada, mas pensei “eu venho aqui só pra almoçar, tô nem aí pra vocês”, mas ao mesmo tempo reparei que eu nunca tinha reparado nisso e que importância tem esse texto inteiro?
Eu não sei, quem sabe (eu sei)?

domingo, 19 de julho de 2015

A Doença das Horas

Você me adoece. 
Passo de quinze a vinte horas do meu dia ocupado em teus olhos deliciosos que fulguram no silêncio branco do meu quarto, na cortina marrom, nas paredes sujas de suor, no lençol impregnado com o cheiro do teu sexo há pouco intocado.
Me parece inverossímil que algo arrebate assim alguém sem se querer: não é o meu caso. Porque escolhi adorar-te e ocupar-me de ti de quinze a vinte horas do meu dia. Horas tão lindas porque é lindo saber que tu existes. Se Benedetti certa vez escreveu sobre isto não foi sobre ninguém a não ser eu: eu em relação a ti.

Muitas horas já não são minhas 
e sim nossas:
Assim é o meu corpo gasto,
minhas mãos oleosas
que só sabem tocar em ti.

O bem que rabisco no sabor dos nossos olhos entrelaçados quase sempre me invade ao cruzar a cidade suja, cinza de ônibus, azul de pés e sandálias multicor, verde só quando dos teus olhos: não dá pra não ver.
Assim também me invade a tua imagem, quase todas, muito de uma só vez que quase me arrebentam: os olhos que de verde vão a mel com a luz que lanço sobre ti irrompendo na escuridão que o vasto mundo preto lança sobre nós; as pequenas mãos que entrelaçavam aquela xícara que emanava a fumaça do café no teu semblante escorregadio; a blusa marrom; tua pele marrom; os cachos intempestivos que pendem deslizando sobre a tua têmpora e a todos contam histórias de amor sobre pássaros que ao invés de voar caminham sobre a terra, pássaros assim que já não me cabem mais no peito; aqueles círculos verdes no teu rosto que valseiam calmamente de um lado a outro a cada gole, parecidos às tuas unhas que valseiam na minha carne nos momentos do êxtase, quando enevoados pousam em mim, me atravessam; a energia que sai dos nossos corpos e contamina todo o ambiente, não há quem não repare, não há quem não sinta...
...era quase um mar: o momento de três segundos.

Ah, se já não fosse eu
quase um vadio
arredio na proa
de uma vida
que a qualquer momento
pode ir-se.
Faria a ti um sem número
de êxtases solitários,
de sóis luminosos
para irradiar 
o alvorecer de nossas 
almas.

Como saberia em que parte deste mundo encontrar o vasto sabor das tuas pernas e o rangido estridente que tem o mesmo gosto do amor que salta das pequenas árvores que florescem nos jardins suspensos de nossos braços recaídos no seio do cansaço dos meus minúsculos e quase inexistentes olhos após meu corpo jorrar no teu ventre tudo que caberia dentro de ti?
É de se pensar que jamais saberia como, pois vi muito mais do que poderia ver sem ti em tão insólita presença que me arrebata a tristeza das horas não preenchidas, sob a égide da lua que te beija macia quebrando tua janela, enquanto deito no teu colo toda a minha existência no momento em que a Nogueira Acioli se alumia do nosso verde, pois descanso em ti a minha paz.
Minha tez enrubesce: o meu corpo adoece, pois o sol se põe quando você vai embora e deixa no pequeno apartamento todo o seu cheiro e torpor que impregnam as minhas horas, as pequenas imagens do teu corpo e existência nus perambulando pelos cômodos de minha casa...
...a doença das horas que enaltece a existência vívida de rosa.

quinta-feira, 11 de junho de 2015

Verde

Guardo em mim teus olhos
porque faço do nosso corpo poesia.
A luz da tua estrela fora a teimosia
que no meu peito sorria,
que no amor se fundia:
que em nosso suor se esvaía!

terça-feira, 7 de abril de 2015

Considerações acerca da beleza da vida e da existência

Eu nunca me sinto feliz, mas até parecia que eu não estava no inferno astral ou qualquer coisa dessas, meu aniversário é daqui uns dias.
Hoje, enquanto voltava do almoço sozinho pelas ruas vazias e largas do meu bairro, uma lagartixa gordinha (talvez prenhe) me acompanhava pela calçada vizinha da minha casa, apesar de não se movimentar muito rápido era suficientemente ligeira para acompanhar o humano superior que caminhava relativamente a passos largos.
Avisto no portão de minha casa um gato dormindo na sombra, fugindo do calor insuportável dessa segunda-feira de sol e lua grandes demais.
A lagartixa dobrou em direção ao portão e deu de cara com a parede, pulou duas vezes para cima no canto do portão até ser abocanhada pelo gato recém acordado. Ele a apanhou com uma pata e a trouxe para a boca em um movimento rápido. A abocanhou pelas costas, ela ainda se mexia, mas ele com a outra pata segurou forte sua cabeça e vi um de seus olhos serem perfurados, já não se movia mais. 
Permaneci imóvel durante aqueles quase cinco segundos. "Esse gato infeliz não vai sequer sair da frente pra eu entrar?! Vai comer a desgraça dessa lagartixa aqui na minha porta, na minha frente?!"
Sim, ele ficou lá, abri o portão, passei por cima dele e entrei. Ao terminar de subir as escadas as costumeiras borboletas secas que morrem tentando atravessar as telhas transparentes que existem em cima da minha escada. Me lembrando que eu também morro todos os dias, igual a elas. Desde que vim morar aqui há dois anos não consigo mais gostar de borboletas, para mim todas são horrorosas, tanto de longe como de perto.
Eu nunca me sinto feliz, mas nas últimas semanas me sentia assim.
Em Genealogia da Moral, Nietzsche fala que a fofoca talvez seja o aspecto fundamental da evolução humana. Enquanto os animais mais fortes lutavam entre si na disputa pelo poder os mais fracos escondiam-se e lutavam com os outros falando mal uns dos outros e assim, caso não fossem encontrados e massacrados pelos crueis mais fortes, sobreviveriam. Os mais fortes morriam quase todos brigando, os mais fracos fisicamente seguiram suas linhagens fofocando.
Ora, eram presas tão ridículas que sequer eram procurados pelos briguentos, pelos que batem e, por conseguinte, matam.
Isso insere aspectos fundamentais na teoria da evolução, no racionalismo, no antropocentrismo, na morte de Deus e em muitos outros ismos, não cabe sequer escrever do que se trata.
Hoje fiquei sabendo de fofocas a meu respeito, um brinde à fofoca! Enquanto fofocavam sobre mim eu estava bêbado em algum lugar serrano desse estado, tirando foto da minha bunda, olhando a lua e a vegetação, ouvindo os pássaros cantarem, sentindo cheiro de mato, ouvindo Sérgio Sampaio invadir a minha casa e mexer nas minhas coisas.
Eu estava feliz, estava vivendo, estava indo, sabendo que não posso garantir nada a não ser as únicas duas garantias da vida: o sofrimento e a finitude. Mas na boca dos fofoqueiros se garantia muita coisa a meu respeito, inclusive que eu não presto pra nada, que não tenho escrúpulos, que eu faço sofrer, que eu sou perigoso e que eu faço muitas coisas horríveis.
Pensei enquanto arquejava um resto de cigarros e cheguei à seguinte conclusão:
Eu sou um imoral. Um apêndice da morte na vida cristã burguesa ocidental ( e essas besteiras todas). Eu sou quase um doente. Sem nosografia, sem tratamento, sem terapêutica. Eu vim do inferno e não vou a lugar nenhum. Minha maldição que era só minha se espalhou pelas línguas que sequer passaram em minha boca. Eu fofoco, eu brigo, eu massacro os mais fracos do que eu, eu sou a lagartixa desorientada e atormentada pelo calor que cai nas garras do animal hábil. Eu sou desengonçado. Eu sou muito doido. Mas eu não sou porra nenhuma. Eu só queria não precisar levar nome de nada, só viver e fim, que me deixassem morrer em paz. 
Tudo o que eu faço é só por amor, por isso eu crio o meu sofrimento para melhor passar. Não me interessa o dinheiro, nem a profissão, nem o mercado de trabalho, o leite vencido na geladeira, o pão vencido na mesa. Não me interessa nada. Só me interessa fofocar a respeito de mim mesmo, quem ainda puder que se afaste enquanto há tempo. Eu não tenho nada, eu só existo. Na verdade nem isso. Ninguém sabe de nada, nem eu, nem vocês, nem quem lê, nem quem escreve e me rouba a vida. Tá tudo arruinado: ainda bem!
Obrigado, fofoqueiros, um brinde à vida, um brinde à essa sucessão de merdas, um brinde à alegria, aos meus dentes amarelos, à fome, ao vício!

* Dedicado a todos os amigos assassinados por mim, eu nunca amei nenhum de vocês, eu minto. Inclusive, estou mentindo agora mesmo.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Crônica da Quarta-feira de Cinzas, ou Pão com Ovo

Há uma mulher que está todos os dias na parada de ônibus do shopping Benfica pedindo dinheiro pra ir a Maranguape. Ontem ela também estava lá na apresentação do Sargento Pimenta bebendo, fumando e dançando como todo mundo ali ao redor. Entendo isso completamente, apesar de a essa hora já estar puro a limão e banhado de cerveja, todo assanhado e com as pernas doendo, após quase doze horas seguidas bebendo cachaça em pé. Acho que essa foi a melhor coisa que vi nesse carnaval.
Há gente triste pelo fim do carnaval, mas isso não consigo entender; até entender, mas não aceitar. E essa mesma gente é aquela que se comunica através de fotografias onde sorriem nas festas, no carnaval, estamos felizes, estamos vivendo, vejam só! Olha só como a gente sorri. Um bom dia no snap, um filtro e todo mundo fica bonito no insta, compartilha no face, bota no perfil do whats. Somos felizes. Dezenas de curtidas, um fluxo de comentários. Não tem graça se não tiver foto, não tem graça se as pessoas não verem. 
Carnaval.
Hoje, por volta do meio dia, quarta-feira de cinzas, dentro do ônibus pessoas com uniformes indo ao trabalho e eu voltando pra casa. O cobrador e o motorista trabalhando. Obviamente, todas as pessoas em semblantes sérios e eu rindo de situações que me vinham à cabeça, assanhado, fedendo, brilhando com glitter, sorrindo. 
Através da janela avisto um homem e seus dois cães pretos, caminham lentamente e param em uma lata grande de lixo, o homem recolhe papelão, dobra e coloca dentro do seu carro de geladeira. O ônibus continua parado no sinal. O homem senta e leva as mãos à cabeça, gostaria de ver se estava chorando ou não. De dentro do bolso retira uma sacola com um pão com margarina, imagino. Um pão mordido, amassado. Eu estava com fome também. Dois pedaços aos cães e o resto ele morde, à medida que mastiga não consigo pensar em mais nada, apenas observar enquanto o ônibus em movimento ia se distanciando. 
De pronto me recordo de uma cena da infância. Seis anos, andando pelo Centro com minha mãe. 
— Mãe, a gente já tá indo pra casa? Eu tô com sede. — Birra, muita birra.
— A gente tá indo pra parada, se aquieta!
Na esquina da Av. do Imperador com a Liberato Barroso um contêiner de lixo e três crianças sujas. Elas entram lá dentro e saem com coisas na mão, levam à boca. Eram pães.
— Mãe, o que eles tão fazendo? Por que eles tão comendo ali?
Minha mãe não soube responder, quis chorar. Eu quis chorar também. Calei-me, assim também a minha mãe. Nenhuma palavra até chegar em casa, um copo com água gelada, um banho e um prato de arroz com carne moída.
Cresci na favela, em bairros diferentes, pisei na lama, na bosta. Vi muitas coisas, sofri outras tantas. Mas essa cena eu nunca esqueci, talvez justamente porque minha mãe nada disse, ela poderia ter mentido, criado alguma história, mas não o fez. Além disso, vi muitas coisas, mas faziam parte do meu cotidiano, crianças comendo lixo não.
— Estude bem muito, meu filho. Assim você vai poder ter o que quiser. — Assim dizia a minha avó.
Não é bem assim, quase graduado e lendo Freud, Deleuze e Foucault cotidianamente. Na minha cozinha só tem arroz, ovo, farinha e cachaça. Na geladeira apenas água e um pedaço de queijo. Tá muito longe de eu ter tudo que quero. Mas sinto-me alegre, realizado com o que tenho, quase nada.
Carnaval.
— Isso aqui é um absurdo. As pessoas que moram na Serrinha não vão se tacar de lá até aqui no Mercado dos Pinhões só pra ouvir isso aqui. Isso não chega nessas pessoas. Senti-me muito mal, ontem fui ao shopping resolver umas coisas e não fui bem atendido em nenhum lugar. Todo mundo puto, trabalhando em pleno carnaval pra servir a gente que tá curtindo. — Disse o amigo.
A culpa estrutural burguesa, o legado que se tem de levar, a culpa, o mal estar, a consciência de classe que não sai dos muros das universidades públicas. Presente como uma gangrena na literatura do século XX. 
— Epa, calma aí, cidadão de bem! — Disse outro amigo psicólogo quando quase fomos atropelados por um sedan da Hyundai.
— Olha a cara da família brasileira nos olhando. — Enquanto adentrávamos o shopping para almoçar algum fast food barato.
Um chute na tampa de um hidrômetro e ela se parte ao meio e vai parar na rua.
— Ei, só por que tu é hetero, cis, branco e classe média tu pensa que pode fazer o que quiser, é? 
Risadas.
— Se a polícia aparecesse aqui eu já tava era preso sem fazer nada.
— Ele ia perguntar: foi você quem fez isso e quando tu respondesse que sim ele levava o Anderson.
Mais risadas.
Todo mundo ria bastante, a verdade é que não tinha graça nenhuma, mas o que fazer? É carnaval! E essas piadas perduraram o dia inteiro.
— Minha fantasia é de professor de História. Camisa de botão, cabelo no peito, assanhado e até o bafo de cachaça é igual. Bom dia, turma. A aula hoje é sobre Revolução Industrial, abram o livro no capítulo dois e façam um resumo.
Risadas. A gente riu bastante de um monte de coisas, foi massa.
Choveu quando acompanhamos o bloco pelas ruas do Benfica. Eu vi crianças, vi idosos, vi universitários barbudos, vi universitários com corpos torneados, “bombados”, de topete, de boné. Risadas, muitas risadas. Muita cerveja, muita cachaça, muito coquetel composto. Vi homens vestidos de mulheres sem nenhuma represália. Vi muito cidadão de bem.
— Meu bloco é o renascer, tô renascido na cachaça.
Após o episódio do chute na tampa do hidrômetro uma discussão entre psicólogos e historiadores, cinco homens graduados e graduandos, sobre o ocorrido, sobre as piadas.
— Eu gosto de ler os comentários dos portais pra não me esquecer de onde eu vivo.
Aquele homem com as mãos à cabeça, comendo um pedaço de pão e em casa eu sabia que tem pão, ovo, queijo, farinha, arroz, água. Mas semana que vem, vai ter o quê? Eu não tenho dinheiro. E nas outras semanas? E nos próximos meses? 
— Vai dar certo.
— Chegou a turma do funil. Todo mundo bebe, mas ninguém dorme no ponto! Hahahaha! Mas ninguém dorme no ponto. Nós é que bebemos e eles que ficam tontos! (...)
Eu queria pular mais carnaval, queria ficar triste pelo fim do carnaval. Queria ver graça em tirar fotos em smartphones e postar nas redes sociais... queria? Não sei. O carnaval acabou, e daí? Na verdade, ele nunca começou. Você que acha que sim, você acha que passou pelo carnaval, mas não passou por lugar nenhum.
Eu queria pular mais carnaval, mas meu pé tá quebrado. Aquele homem mais sujo do que eu quebrou meu pé e sua foto no instagram pisou nele, mas nem doeu. Não importa, é quarta-feira de cinzas.
— Hoje já é terça-feira! Sabe amanhã quarta-feira de cinzas? Pois é, sou eu. Eu já sou a própria cinza aqui sentado na calçada... (...) Ninguém respeita o bebo sentado na calçada.
Deveríamos?
Nada mudou. 
Nada mudou porque nunca houve coisa nenhuma igual, nunca houve coisa alguma. Esse pão com ovo e café servido pelo amigo foi a coisa mais feliz e charmosa das últimas 24 horas.

Pelas ruas o que se vê
É uma gente que nem se vê
Que nem se sorri
Se beija e se abraça
E sai caminhando
Dançando e cantando
Cantigas de amor
E no entanto é preciso cantar
Mais que nunca é preciso cantar
É preciso cantar e alegra a cidade

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

Fragmento

"Vou arrancar essa folha pra mim... Pra ler quando eu estiver 100% sóbria... Enfim, eu sei que não sou uma garota que vende o corpo, nem o tipo de puta que representa o que há de podre no mundo... Mas isso também é uma questão de opinião... Para muitos eu não sou uma garotinha inocente, eu sou uma idiota, arrogante e hedonista... Não deixo de ser mais uma merda no meio de toda merda que há no mundo... Eu sei que tenho muito o que agradecer, mas não consigo deixar de me sentir miserável e medíocre..."

Algum lugar em 2011.

domingo, 8 de fevereiro de 2015

Covardia


Meu avô era uma homem que sorria, mas seu riso era muito estranho, machucava mais do que qualquer outra coisa. Com aquele homem aprendi a apreciar a solidão, aprendi isso sem trocar com ele sequer duas palavras durante toda a minha vida, apenas um “feliz natal” que ele me deu junto de uma edição d’O Manifesto Comunista, de Marx e Engels, e uma coletânea gravada em mp3 do Raul Seixas. Foi há três anos atrás, eu tinha 14 anos, nunca havia o visto. Era uma história que a família evitava, mas ouvi algumas vezes que ele era louco, doente, bêbado e a que mais doeu: covarde. Apesar de ter crescido sem conhecê-lo, a maneira como falavam quase sussurrando me machucava de alguma maneira e a palavra que mais doeu foi essa, covarde. Acabei absorvendo quase que inexoravelmente a repugnância moral pela falta de coragem e aprendi por conta própria a me virar sozinho. Na verdade, sempre soube que era mentira, eu não gostava dos ovos com a gema mole que minha avó fazia, nem do bolo fofo de laranja que ela sempre fazia aos sábados, odiava a gemada que ela me deu por anos aos domingos pela manhã e eu nunca disse isso. Nunca fiz os ovos eu mesmo, nem deixei de comer o bolo com o café extremamente doce que me irritava, nem a gemada que era meu desjejum semanal de penitência por algum pecado dos meus pais. Eu nunca falo nada. Considero isso de certa forma uma virtude, ficar calado é difícil. Isso também sei que é mentira, pois me calava por calar, por medo, por covardia.
O tempo passava normalmente e eu sempre o notei, meu corpo nunca fez questão de esconder: meus pelos pelo rosto e corpo inteiro, meu tamanho, meus braços, meus dentes, meu pênis. Mas conforme esse tempo passava me incomodava também a sensação de covardia. Certa vez ouvi “Você vai abandonar a sua família, vai ser um covarde igual ao avô”. Tenho quase certeza que ninguém disse isso, que era coisa da minha cabeça durante alguma das minhas constantes divagações. O que é comum para um jovem solitário em uma casa cheia de gente que fala, grita, arrota, peida, arrasta os chinelos o tempo inteiro e fica querendo pegar em você sempre que tem oportunidade. Um inferno. Encontrava refúgio nos livros que alugava na biblioteca da escola e nas bibliotecas públicas, os lugares que mais frequentei, curiosamente depois de conhecer meu avô e ele ter me dado aquele livro comunista, fiquei curioso. Ouvi as músicas do Raul e o verso “olho os livros na minha estante que nada dizem de importante, servem só pra quem não sabe ler” sempre me incomodou, penso nele quase todos os dias.
Poucas vezes se vê meu avô andando pela casa, ele não fala com ninguém. Apareceu um dia, em dezembro. Bateu à porta, trazia consigo uma mochila dessas que se leva com uma só mão, de lado. Barbas longas e grisalhas, óculos com armação preta grossa que contrastava com seus poucos cabelos grisalhos e desgrenhados, parecia que há anos não os penteava. Deu umas palavras, abraços curtos e foi em direção aos quartos de minha avó e de minha mãe. Aquelas mulheres se olhavam, parecendo sem saber o que dizer. Ninguém me apresentou, apenas fiquei sem saber o que se passava, peguei meu Mágico de Oz que estava relendo e fui para o meu quarto, para evitar falar com visitas que não conheço. Odeio quando minha avó, minha mãe ou minhas tias ficam mostrando a casa, querem me mostrar, me pedem para cumprimentar as pessoas. Odeio, mas sempre faço. Porém, dessa vez não.
Mais tarde vieram me dizer que se tratava do meu avô, o que eu nunca conheci, mas sabia que existia, apesar de sempre evitarem comentar.
A figura daquele estranho homem velho com aspecto jovem foi se tornando comum com os almoços e jantares diários à mesa. Todos comiam à mesa, minha avó aproveitava a oportunidade para comentar das pessoas do bairro que morreram, nunca fazia a menor ideia de quem se tratava. No começo suas feições eram até amigáveis, apesar de dificilmente sorrir e quase nunca falar, o som da sua voz ainda hoje me é estranho. Com o tempo ele foi ficando mais sisudo, cara fechada. Começou a construir algo no quintal e eis que enfim se ergue uma casa de um cômodo com banheiro. Para lá levou uma rede, uma mesa, uma cadeira e a sua mochila que estava aberta, vi lá dentro dezenas de livros. Quase nunca ele saía, vez ou outra para comprar cigarros, vinho barato e cachaça na bodega vizinha. 
Estava próximo o natal, a data que mais odeio. Juntava a família inteira lá em casa, todos falam comigo. Meu único desejo era ficar em coma e só acordar depois de dois meses, passado também o carnaval. 
E esse natal ainda contava com a presença tacanha e confusa daquela figura que eu nunca soube sequer o nome. Em seu semblante havia autoridade, mas também conseguia identificar carinho e uma inexequível leveza que ele trazia no olhar e nos dentes.
Quando chegou na sala, aproximou-se de mim com um embrulho e disse “feliz natal”. “Obrigado”, respondi. Sentou-se no sofá e respondeu aos familiares que pareciam ter muitos assuntos para conversar, mas que se acanhavam. Fui direto ao quarto e vi os presentes: um livro e um cd.
Depois desse dia nunca mais falei com ele, li o livro que me deu três vezes, uma em cada ano e o cd ouvia constantemente. 
Três semanas atrás comecei a ficar com uma menina da escola, ela se chama Joyce, não a acho muito bonita, na verdade não sei bem o que me atrai nela, talvez nada e a iniciativa não foi minha, mas acredito que vamos namorar. Ela tem uns papos estranhos sobre magia, astrologia, signos, essas coisas. Diz que gosta de mim porque sou de peixes. Fez o meu mapa astral, sinastria amorosa e mais um monte de coisas que não lembro o nome. Nada disso me interessa, na verdade. Ela escreve coisas, uns poemas. Escreve em papel de caderno e me dá uns dois ou três toda semana.
Há uma semana atrás minha mãe, com seu horroroso hábito de fuçar minhas coisas abriu minha mochila e encontrou os poemas de Joyce. Veio brigar comigo, pois eu não havia contado nada, ia prestar vestibular e precisava ser aprovado, que eu era estranho, que não falava com ninguém e gritou “Você quer ser igual ao vagabundo do seu pai, um covarde, um imprestável?!”. Dessa vez não aguentei muito e respondi também gritando enquanto derrubei uma cadeira com um chute “Eu odeio você! Odeio essa família! Vocês são repugnantes, quero ir embora! Vocês não conseguem ver que vocês só atrapalham a minha vida?! Eu não gosto de você, nunca gostei!”. Minha mãe pôs-se a chorar sentada na cadeira à mesa. Em minha mente passava-se a estranheza completa da situação por algo que considerei no momento tão irrelevante.
Paralisado, fiquei sem saber o que fazer, quando virei o rosto vi meu avô na porta da cozinha a me olhar fixamente. Ele me destruiu apenas com isso, seu olhar fulminante atravessou a minha espinha. Garganta seca. Permaneceu a me fitar por mais quarenta segundos que pareceram uma eternidade, senti que ia morrer. Entrei no quarto, encostei o guarda roupas na porta e a cama logo em seguida a fim de me trancar. Dormi.
No dia seguinte minha mãe, minha avó e minha tia andavam um olhar cabisbaixo, o gosto era de tristeza, de ignorância. Evitei falar, ninguém falava, na verdade. Algo muito grave aconteceu. Fui à escola, mas desviei o caminho para a biblioteca municipal, lá passei o dia inteiro, não apareci em casa para almoçar e comi um biscoito recheado que levava na bolsa.
Chego em casa e o clima continua estranho, ninguém pergunta sobre por onde andei nem por que não almocei em casa, se me alimentei, todas essas coisas que sempre perguntam. Tomo banho, descanso um pouco e compareço à mesa na hora do jantar, um prato a menos, meu avô não jantou conosco. Não perguntei nada, ninguém trocou palavras. Minha mãe lava as louças, minha avó recolhe as panelas, depois juntam-se à minha tia na sala para assistir as novelas.
Saio do quarto e me dirijo ao cômodo que meu avô construiu, ele não está lá. Não me sinto surpreso, não há mochila nem rede, apenas a mesa, a cadeira e um livro: Demian, Hermann Hesse, em uma edição antiga. O folheio e descubro um bilhete datado de hoje.


Eu poderia ter esquecido... ou morrido... matado você... seria o caminho mais fácil e natural das coisas... mas eu vivo... bastante, infelizmente!
Mal me digo todas as vezes que me recordo de algo sobre nós trazido por você ou pelos outros, eu não quero saber, será que é tão difícil respeitar isso? 
Eu poderia fingir ter esquecido, mas também somos o que perdemos. 
Eu menti, eu não te perdoei e jamais me perdoarei por isso.
Não se meta mais com a minha vida.
Eu nunca te amei.
Adeus.


Decidi ficar com o bilhete só para mim, não sei a quem se destinava, se para minha avó, minha mãe, minha tia?  Aliás, era endereçado a alguém? A mim? A mim impossível. Se bem que acredito que ele imaginava que eu quem o encontrasse, que adentrasse o seu espaço, pois ninguém ousava entrar lá e ele deixou um livro, só quem gosta de livros sou eu... No fim, percebo que há algo muito grave na história dessa família e eu tenho o poder de interferir nisso ou não, não queria este peso, não precisava disto, não precisava mesmo... eu não quero.
Sei que ele voou, talvez demais.
Devo voar também? Acho que não.
Enfim, acho demais, não sei o que fazer. Isso não é nada confortável, mas é assim que tem que ser.
Eu covarde como sempre.