domingo, 19 de julho de 2015

A Doença das Horas

Você me adoece. 
Passo de quinze a vinte horas do meu dia ocupado em teus olhos deliciosos que fulguram no silêncio branco do meu quarto, na cortina marrom, nas paredes sujas de suor, no lençol impregnado com o cheiro do teu sexo há pouco intocado.
Me parece inverossímil que algo arrebate assim alguém sem se querer: não é o meu caso. Porque escolhi adorar-te e ocupar-me de ti de quinze a vinte horas do meu dia. Horas tão lindas porque é lindo saber que tu existes. Se Benedetti certa vez escreveu sobre isto não foi sobre ninguém a não ser eu: eu em relação a ti.

Muitas horas já não são minhas 
e sim nossas:
Assim é o meu corpo gasto,
minhas mãos oleosas
que só sabem tocar em ti.

O bem que rabisco no sabor dos nossos olhos entrelaçados quase sempre me invade ao cruzar a cidade suja, cinza de ônibus, azul de pés e sandálias multicor, verde só quando dos teus olhos: não dá pra não ver.
Assim também me invade a tua imagem, quase todas, muito de uma só vez que quase me arrebentam: os olhos que de verde vão a mel com a luz que lanço sobre ti irrompendo na escuridão que o vasto mundo preto lança sobre nós; as pequenas mãos que entrelaçavam aquela xícara que emanava a fumaça do café no teu semblante escorregadio; a blusa marrom; tua pele marrom; os cachos intempestivos que pendem deslizando sobre a tua têmpora e a todos contam histórias de amor sobre pássaros que ao invés de voar caminham sobre a terra, pássaros assim que já não me cabem mais no peito; aqueles círculos verdes no teu rosto que valseiam calmamente de um lado a outro a cada gole, parecidos às tuas unhas que valseiam na minha carne nos momentos do êxtase, quando enevoados pousam em mim, me atravessam; a energia que sai dos nossos corpos e contamina todo o ambiente, não há quem não repare, não há quem não sinta...
...era quase um mar: o momento de três segundos.

Ah, se já não fosse eu
quase um vadio
arredio na proa
de uma vida
que a qualquer momento
pode ir-se.
Faria a ti um sem número
de êxtases solitários,
de sóis luminosos
para irradiar 
o alvorecer de nossas 
almas.

Como saberia em que parte deste mundo encontrar o vasto sabor das tuas pernas e o rangido estridente que tem o mesmo gosto do amor que salta das pequenas árvores que florescem nos jardins suspensos de nossos braços recaídos no seio do cansaço dos meus minúsculos e quase inexistentes olhos após meu corpo jorrar no teu ventre tudo que caberia dentro de ti?
É de se pensar que jamais saberia como, pois vi muito mais do que poderia ver sem ti em tão insólita presença que me arrebata a tristeza das horas não preenchidas, sob a égide da lua que te beija macia quebrando tua janela, enquanto deito no teu colo toda a minha existência no momento em que a Nogueira Acioli se alumia do nosso verde, pois descanso em ti a minha paz.
Minha tez enrubesce: o meu corpo adoece, pois o sol se põe quando você vai embora e deixa no pequeno apartamento todo o seu cheiro e torpor que impregnam as minhas horas, as pequenas imagens do teu corpo e existência nus perambulando pelos cômodos de minha casa...
...a doença das horas que enaltece a existência vívida de rosa.

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